21 julho, 2013

JESUS, MARTA E MARIA E EU


1. Imediatamente a seguir ao belo trabalho de amor do Bom Samaritano (Lucas 10,25-37), apresentado como figura do discípulo de Jesus, eis-nos a braços com outra cena de excepção do Evangelho de Lucas: Jesus, Marta e Maria (Lucas 10,38-42), que continua a expor diante de nós, neste Domingo XVI do Tempo Comum, traços salientes para continuarmos a compor a figura do discípulo de Jesus.
2. A primeira anotação do narrador é para nos comunicar que, estando Jesus em viagem, uma mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa (Lucas 10,38). Acrescenta logo que Marta tinha uma irmã, chamada Maria (Lucas 10,39), e começa de imediato a desenhar o retrato das duas irmãs.
3. De Maria, diz-nos que se SENTOU aos pés de Jesus e que ESCUTAVA a sua Palavra (Lucas 10,39). O leitor apercebe-se de imediato que Maria assume a figura de discípula atenta, dedicada e deliciada: SENTADA perto do Mestre, ESCUTAVA… O narrador usa outras tintas para pintar o retrato de Marta. Começa por nos dizer que andava DISTRAÍDA (verbo gregoperispáô) com muito trabalho (Lucas 10,40). Aproximando-se, porém, disse a Jesus com um certo ar de reprovação: «Senhor, a ti não te importa que a minha irmã me deixe sozinha a trabalhar?» (Lucas 10,40). E sem esperar pela resposta, como quem está cheia de razão, acrescenta logo, como quem tem autoridade para dar ordens até a Jesus: «Diz-lhe, pois, que me venha ajudar!» (Lucas 10,40). É aqui que intervém Jesus, com a sua Palavra serena e soberana, para lhe dizer: «Marta, Marta, andas PREOCUPADA (verbo grego merimnáô) e ÀS VOLTAS (verbo gregothorybázô) com MUITAS COISAS (pollá), quando UMA SÓ (henós) é necessária» (Lucas 10,41-42). E conclui, para total espanto nosso e de Marta: «Maria ESCOLHEU (eklégomai) a parte BOA (e bela), que não lhe será tirada» (Lucas 10,42).
4. Importa ver já, com clareza, que Maria não diz uma palavra em todo o episódio. Não se ouve a sua voz. Ela está tranquilamente SENTADA e totalmente concentrada na ESCUTA de outra VOZ, que não a sua. Maria é a mulher de UMA COISA e de UMA PESSOA. Por isso, na base da sua vida, tem de haver uma ESCOLHA. Nas páginas da Escritura Santa, é normalmente Deus o sujeito do verbo ESCOLHER. Quando também nós ousamos ESCOLHER, então já se percebe que deixamos muitos mundos para trás e que nasce em nós um mundo novo, por acostagem ao mundo de Deus.
5. Marta começa por receber Jesus na casa dela. É a senhora dona Marta. Olha de soslaio para a sua irmã Maria que acusa de não fazer nada, e repreende Jesus por não se importar com isso, e acaba mesmo dando ordens a Jesus, para que, por sua vez, dê ordens a Maria para a ir ajudar. É a senhora dona Marta. Manda, ou pensa que manda, em casa, na sua irmã e em Jesus!
6. A sua vida é uma azáfama, anda às voltas, ocupada por preocupações e preconceitos, descentrada e desconcentrada. O seu fazer é tradicional e convencional. Nunca ESCOLHEU. O narrador diz-nos que anda DISTRAÍDA, e Jesus diz-lhe que anda PREOCUPADA (merimnáô) e ÀS VOLTAS (thorybázô)… Vocabulário importante. Um pouco adiante, Jesus adverte os seus discípulos para não se PREOCUPAREM (merimnáô) com a vida, quanto ao que hão-de comer, nem com o corpo, quanto ao que hão-de vestir (Lucas 12,22), e acrescenta logo que isso – afadigar-se com o que comer, beber e andar freneticamente, de lado para lado, como meteoritos (meteôrízô) – são coisas dos pagãos! (Lucas 12,30). E põe-nos diante dos olhos este tesouro evangélico e poético: «Considerai os lírios do campo, que não fiam nem tecem!…» (Lucas 12,27).
7. Ressalta deste finíssimo quadro que também o agitar-se por Deus ou pelo próximo pode ser coisa pagã. Não necessariamente por ser pagão o objecto da busca, mas por ser pagão o modo de procurar: com afã, inquietação, agitação! Na verdade, as «muitas coisas» podem viciar, não apenas a escuta, mas também o verdadeiro serviço. Fazer muito pode ser sinal de amor, mas pode também fazer morrer o amor! Ao hóspede é necessário oferecer companhia, não apenas coisas!
8. Ao contrário da senhora dona Marta, que nunca abriu mão da sua condição de dona, Maria percebeu bem que não é dona, mas simplesmente hóspede. Não da sua irmã Marta, mas de Jesus. Maria está, na verdade, hospedada em casa de Jesus. Por isso, está assim serena e tranquila. Entregou-lhe tudo: o coração, as mãos, os olhos, o cofre, a chave do cofre, a chave de casa. Marta não é apresentada como sendo má pessoa, mas não compreendeu que, quando Jesus entra em nossa casa, é dele a casa, e nós simplesmente seus hóspedes, tranquilamente sentados junto dele! Ai esta nossa entranhada tentação patronal!
9. Dizia um velho rabino acerca de um seu colega: «anda de tal modo ocupado com as COISAS de Deus, que até se esquece de que ELE existe!». Convenhamos que se trata de um esquecimento desastroso…
10. Veja-se bem a simplicidade, a prontidão e a candura desarmantes do velho Abraão do Antigo Testamento de hoje! (Génesis 18,1-10).
D. António Couto, In Mesa de Palavras

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