26 fevereiro, 2014

Duelo de rivais



Título original: Rush
Realizador: Ron Howard
Com: Daniel Brühl, Chris Hemsworth, Olivia Wilde
Género: Acção, Biografia, Drama,
Outros dados: M/12, EUA/RU, 2013, 122 min, Trailer


Nunca fui um grande fã de Formula 1. No entanto já tinha ouvido falar em Niki Lauda, piloto austríaco muito conhecido pelo grave acidente que teve durante o Grande Prémio da Alemanha em 76. Quando soube que ía sair um filme sobre estes factos decidi pesquisar um pouco mais sobre a sua vida e fiquei com grande vontade de ver o filme.

Ron Howard (realizador) cria um filme onde, simultaneamente, existe drama e humor. As boas interpretações e o excelente trabalho cinematográfico levam-nos a crer que estamos mesmo dentro de um grande circuito de Formula 1.

Rush conta-nos a história incrível e verídica de dois pilotos, e da marcante rivalidade entre eles. Um é Niki Lauda, austríaco, conhecido pela sua capacidade de análise e rigor. O outro é James Hunt, inglês, conhecido pela sua velocidade e por ter uma vida controversa fora das pistas.

O filme vai-nos dando a conhecer a vida, a personalidade e a rivalidade entre estes dois corredores, desde o momento em que se conhecem, numa prova de Formula 3 em Inglaterra no ano de 1970, até ao fim do campeonato de 1976. Pelo meio tomamos conhecimento da vida dentro e fora das pistas, desde o negócio dos contractos aos momentos mais emocionados que antecedem as perigosas corridas. O ano de 1976 ficou não só conhecido pela grande disputa do campeonato, entre Lauda e Hunt, mas também devido ao grave acidente que se deu a 1 de Agosto desse mesmo ano, levando Lauda a ficar em risco de vida e com marcas no rosto para toda a vida.

A partir deste momento, o filme torna-se ainda mais rico e entusiasmante, ao contrário do que se poderia prever. A convalescença de Lauda no hospital, enquanto assiste às corridas e à recuperação do seu rival, deixa-nos impressionados e o seu regresso às corridas, apenas seis semanas depois do acidente, relembra-nos, mais uma vez, de que a esperança é a última a morrer. Muitas vezes ficamos sem esperança, depois de alguma dificuldade que possamos passar. Achamos que os nossos sonhos vão por “água abaixo” e que, é difícil lutar por aquilo que nos traz alegria. Mas há sempre Alguém que nos ama e que, directa ou indirectamente, nos faz querer continuar.

Quem sabe se a Fórmula 1 não ganhou um novo adepto?


António Oom Costa, in http://www.essejota.net/

24 fevereiro, 2014

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA A QUARESMA DE 2014



Queridos irmãos e irmãs!

Por ocasião da Quaresma, ofereço-vos algumas reflexões com a esperança de que possam servir para o caminho pessoal e comunitário de conversão. Como motivo inspirador tomei a seguinte frase de São Paulo: «Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9). O Apóstolo escreve aos cristãos de Corinto encorajando-os a serem generosos na ajuda aos fiéis de Jerusalém que passam necessidade. A nós, cristãos de hoje, que nos dizem estas palavras de São Paulo? Que nos diz, hoje, a nós, o convite à pobreza, a uma vida pobre em sentido evangélico?

A graça de Cristo

Tais palavras dizem-nos, antes de mais nada, qual é o estilo de Deus. Deus não Se revela através dos meios do poder e da riqueza do mundo, mas com os da fragilidade e da pobreza: «sendo rico, Se fez pobre por vós». Cristo, o Filho eterno de Deus, igual ao Pai em poder e glória, fez-Se pobre; desceu ao nosso meio, aproximou-Se de cada um de nós; despojou-Se, «esvaziou-Se», para Se tornar em tudo semelhante a nós (cf. Fil 2, 7; Heb 4, 15). A encarnação de Deus é um grande mistério. Mas, a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade, desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A caridade, o amor é partilhar, em tudo, a sorte do amado. O amor torna semelhante, cria igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez connosco. Na realidade, Jesus «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes22).

A finalidade de Jesus Se fazer pobre não foi a pobreza em si mesma, mas – como diz São Paulo – «para vos enriquecer com a sua pobreza»Não se trata dum jogo de palavras, duma frase sensacional. Pelo contrário, é uma síntese da lógica de Deus: a lógica do amor, a lógica da Encarnação e da Cruz. Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós, como a esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com piedade filantrópica. Não é assim o amor de Cristo! Quando Jesus desce às águas do Jordão e pede a João Baptista para O baptizar, não o faz porque tem necessidade de penitência, de conversão; mas fá-lo para se colocar no meio do povo necessitado de perdão, no meio de nós pecadores, e carregar sobre Si o peso dos nossos pecados. Este foi o caminho que Ele escolheu para nos consolar, salvar, libertar da nossa miséria. Faz impressão ouvir o Apóstolo dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo, mas por meio da sua pobreza. E todavia São Paulo conhece bem a «insondável riqueza de Cristo» (Ef 3, 8), «herdeiro de todas as coisas» (Heb 1, 2).

Em que consiste então esta pobreza com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É precisamente o seu modo de nos amar, o seu aproximar-Se de nós como fez o Bom Samaritano com o homem abandonado meio morto na berma da estrada (cf. Lc 10, 25-37). Aquilo que nos dá verdadeira liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor de compaixão, de ternura e de partilha. A pobreza de Cristo, que nos enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os nossos pecados, comunicando-nos a misericórdia infinita de Deus. A pobreza de Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico de confiança ilimitada em Deus Pai, confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando sempre e apenas a sua vontade e a sua glória. É rico como o é uma criança que se sente amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura. A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa soberana deste Messias pobre. Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu «jugo suave» (cf. Mt 11, 30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua «rica pobreza» e «pobre riqueza», a partilhar com Ele o seu Espírito filial e fraterno, a tornar-nos filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogénito (cf.Rm 8, 29).
Foi dito que a única verdadeira tristeza é não ser santos (Léon Bloy); poder-se-ia dizer também que só há uma verdadeira miséria: é não viver como filhos de Deus e irmãos de Cristo.

O nosso testemunho

Poderíamos pensar que este «caminho» da pobreza fora o de Jesus, mas não o nosso: nós, que viemos depois d'Ele, podemos salvar o mundo com meios humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar, Deus continua a salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos, na Palavra e na sua Igreja, que é um povo de pobres. A riqueza de Deus não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e apenas através da nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo.

À imitação do nosso Mestre, nós, cristãos, somos chamados a ver as misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar concretamente para as aliviar. A miséria não coincide com a pobreza; a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança. Podemos distinguir três tipos de miséria: a miséria material, a miséria moral e a miséria espiritual. A miséria material é a que habitualmente designamos por pobreza e atinge todos aqueles que vivem numa condição indigna da pessoa humana: privados dos direitos fundamentais e dos bens de primeira necessidade como o alimento, a água, as condições higiénicas, o trabalho, a possibilidade de progresso e de crescimento cultural. Perante esta miséria, a Igreja oferece o seu serviço, a sua diakonia, para ir ao encontro das necessidades e curar estas chagas que deturpam o rosto da humanidade. Nos pobres e nos últimos, vemos o rosto de Cristo; amando e ajudando os pobres, amamos e servimos Cristo. O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os abusos, que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha.

Não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se escravo do vício e do pecado. Quantas famílias vivem na angústia, porque algum dos seus membros – frequentemente jovem – se deixou subjugar pelo álcool, pela droga, pelo jogo, pela pornografia! Quantas pessoas perderam o sentido da vida; sem perspectivas de futuro, perderam a esperança! E quantas pessoas se vêem constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da dignidade de poderem trazer o pão para casa, por falta de igualdade nos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral pode-se justamente chamar um suicídio incipiente. Esta forma de miséria, que é causa também de ruína económica, anda sempre associada com a miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o seu amor. Se julgamos não ter necessidade de Deus, que em Cristo nos dá a mão, porque nos consideramos auto-suficientes, vamos a caminho da falência. O único que verdadeiramente salva e liberta é Deus.
O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos anunciadores desta mensagem de misericórdia e esperança. É bom experimentar a alegria de difundir esta boa nova, partilhar o tesouro que nos foi confiado para consolar os corações dilacerados e dar esperança a tantos irmãos e irmãs imersos na escuridão. Trata-se de seguir e imitar Jesus, que foi ao encontro dos pobres e dos pecadores como o pastor à procura da ovelha perdida, e fê-lo cheio de amor. Unidos a Ele, podemos corajosamente abrir novas vias de evangelização e promoção humana.

Queridos irmãos e irmãs, possa este tempo de Quaresma encontrar a Igreja inteira pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar em Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos configurados com Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua pobreza. A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói.

Pedimos a graça do Espírito Santo que nos permita ser «tidos por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo» (2 Cor 6, 10). Que Ele sustente estes nossos propósitos e reforce em nós a atenção e solicitude pela miséria humana, para nos tornarmos misericordiosos e agentes de misericórdia. Com estes votos, asseguro a minha oração para que cada crente e cada comunidade eclesial percorra frutuosamente o itinerário quaresmal, e peço-vos que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!


Papa Francisco

23 fevereiro, 2014

OH SUBLIME CIÊNCIA DAS ALTURAS!


1. Neste Domingo VII do Tempo Comum, continuamos a escutar nas alturas, em alta frequência e alta fidelidade, o que não se pode escutar cá por baixo, em onda média, no meio do barulho e do entulho. E soam hoje, aos nossos ouvidos atónitos, no nosso coração atónito, as duas últimas das «seis antíteses» proferidas por Jesus no SERMÃO DA MONTANHA, e referentes à lei de talião e ao amor ao próximo (Mateus 5,38-48).

2. Diz a conhecida «Lei de talião» – do latim taliotalis [tal, igual] ouius talionis [lei do corte ou contusão] –, assim formulada no Livro do Êxodo: «vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão» (Êxodo 21,24-25). Formulação semelhante desta Lei já se encontra, de resto, nos parágrafos 196 e 197 do famoso código de Hammurabi, que remonta mais ou menos a 1700 anos antes de Cristo. E, ao contrário do que se diz habitualmente, esta Lei não representa a barbaridade, mas um avanço civilizacional, pois assenta, não na multiplicação desenfreada da vingança e da violência, mas na sua contenção, pois condena o agressor a receber apenas a sanção igual àquela que ele provocou à vítima.
           
3. Bem diferente é a chamada Lei da vingança desenfreada, traduzida, por exemplo, no famoso «Cântico da espada» de Lamec, que se expressa assim no Livro do Génesis: «Eu matei um homem por uma ferida, uma criança por uma contusão. Sim, Caim é vingado sete vezes, mas Lamec setenta e sete vezes!» (Génesis 4,23-24). O que se vê aqui é que Lamec respira uma vingança irracional, um ódio irracional. O que ouvimos nas alturas da Montanha é que Jesus respira e ensina um amor irracional, até ao paradoxo, ao absurdo e à estupidez, dissolvendo completamente os ódios, vinganças e violências do «Cântico de Lamec», mas ultrapassando também a fria simetria da «Lei de talião». «Ouvistes o que foi dito: “Olho por olho, dente por dente”. Porém, eu digo-vos: “Não resistais ao homem mau. Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda; se alguém te levar ao tribunal para ficar com a tua túnica, oferece-lhe também o manto; se alguém te forçar a acompanhá-lo durante 5 km, acompanha-o durante 10 km!”» (Mateus 5,38-41). Oh sublime ciência das alturas!

4. E Jesus continua em alta sintonia, altíssima alegria, altíssimo amor, estendendo o amor para além dos círculos restritos das nossas simpatias, até aos nossos próprios inimigos! Amor assimétrico, que Jesus ensina agora nas alturas, mas que praticará e ensinará até à Cruz! Ele leva até ao alto do Monte das Bem-Aventuranças e até ao alto do Calvário os nossos ódios desenfreados e a nossa fria justiça distributiva, e restitui-nos em troca o perdão excessivo e o amor transbordante.

5. Ao tempo de Jesus, o panorama do judaísmo palestinense era dominado por duas escolas: a escola conservadora e rigorista de Shammai e a escola liberal de Hillel. Conta-se que, um dia, um homem se terá apresentado na escola de Shammai, e fez ao mestre um estranho pedido: «quero que, enquanto eu me mantiver apenas com um pé no chão, tu me expliques toda a Lei». Diz-se que Shammai se limitou a pegar na sua vara de mestre e a correr o homem pela porta fora, pois era óbvio que o homem fazia um pedido impossível de cumprir, tal era a vastidão da Lei. Mas o homem não desanimou e dirigiu-se à escola de Hillel, a quem formulou o mesmo pedido. E Hillel terá respondido de pronto: «Nada mais fácil: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti!”».

6. A esta sentença de Hillel, na sua formulação negativa, deu-se o nome de «regra de ouro». Em boa verdade, ela já aparece no Livro de Tobias 4,15. É, todavia, fácil de verificar, que esta sentença é de fácil cumprimento. Dado que o seu teor é negativo, para a cumprir, basta a alguém cruzar os braços e nada fazer. Procedendo assim, nada fará de inconveniente a ninguém, cumprindo assim escrupulosamente a sentença formulada.

7. Tentando talvez evitar a inacção acoitada na formulação negativa anterior, os Evangelhos apresentam desta máxima uma formulação positiva: «Faz aos outros o que queres que te façam ti!» (Mateus 7,12; Lucas 6,31). Levando a sério esta formulação, já não é suficiente jogar à defesa e nada fazer, mas é, de facto, requerido o fazer. Seja como for, as duas formulações apresentadas, quer a negativa quer a positiva, padecem do mesmo vício: sou eu o centro, é à minha volta que tudo roda, e o que eu faço ou deixo de fazer é com o objectivo claro de que me seja retribuído outro tanto!

 8. O tom positivo da referida «regra de ouro» recebe ainda outra bem conhecida formulação: «Ama o teu próximo como a ti mesmo!», que atravessa a inteira Escritura: Levítico 19,18; Mateus 22,39; Romanos 13,9; Gálatas 5,14; Tiago 2,8. Mas também esta formulação é perigosa: primeiro, porque eu continuo o ser o centro, sendo eu a medida do amor devido aos outros; segundo, porque, se alguém não se ama a si mesmo (e são, infelizmente, cada vez mais os casos!), como poderá cumprir devidamente esta máxima?

9. É aqui que cai, como uma lâmina, a força do Evangelho que sai dos lábios de Jesus: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei!» (João 13,34). Aqui, a medida não sou eu. Aqui, a medida é Jesus, o das alturas, o do alto das montanhas. Aqui, a medida é sem medida! Aqui, o amor não é interesseiro. Aqui, o amor é puro, radical, incondicional, assimétrico, sem retorno. Aqui, o amor é até ao fim! Oh sublime ciência das alturas!


D. António Couto, in Mesa de Palavras

19 fevereiro, 2014

Cordas



É uma curta-metragem de 10 minutos, mas que transcende qualquer um pelo seu nobre conteúdo, que nos faz questionar até onde somos capazes de partilhar a nossa vida com o próximo.  Foi premiada recentemente com o prémio Goya 2014 para a melhor curta-metragem de animação. Está em espanhol, mas na verdade os gestos transmitem mais da verdadeira beleza deste pequeno filme do que aquilo que podamos não perceber do espanhol.

A rotina de Maria na escola vai ser alterada pela chegada de um menino muito especial. E rapidamente se converterão em grandes amigos.

Será que estes duas crianças têm algo para nos ensinar?


18 fevereiro, 2014

Os Miseráveis



Miserável, segundo o dicionário, é aquele que vive na miséria, que é muito pobre e que inspira desprezo ou que desperta compaixão.
“Os Miseráveis” amplia(m) todos estes conceitos ao plural. No filme também!
“Look down, look down” cantam os prisioneiros em uníssono no princípio, quase que a convidar-nos a “descer” à miséria.

A história alarga-se por várias décadas e assistimos sobretudo aos acontecimentos no intervalo de 1815 a 1832. Na realidade somos transportados para uma França que sente os efeitos da Revolução de 1789 e deixa transparecer a marca da estratificação social e da crise de valores. Uma França cujo sistema legal condena um indivíduo que, vivendo na miséria, rouba pão para alimentar a família, confirmando-nos a ideia já há muito profetizada por Ortega y Gasset : “Nós somos nós e as nossas circunstâncias”.

Jean Valjean cumpriu pena de 19 anos por este crime e quando libertado comprova o rótulo que lhe atribuíram, voltando a roubar para sobreviver. Mas, quando experimenta a compaixão de um Bispo que o acolhe numa sociedade muito afastada da “liberdade, igualdade e fraternidade”, deixa-se perdoar e abraça o caminho da conversão. E é nestas circunstâncias que sobressaem um conjunto de mudanças comportamentais. “Quem sou eu?” diz-nos a dada altura Jean Valjean.
É dentro da temática dos valores morais, susceptíveis de nos guiarem, de se renovarem, que vemos várias histórias cruzadas e transversais, vários caminhos possíveis e também o nosso:

Será o nosso caminho o mesmo que Valjean escolheu e seguiu, proferido por ele já às portas da morte: “Amar outra pessoa é ver a face de Deus”?
Será que nos deixamos sucumbir de cada vez que a esperança nos desilude, como a Fantine?
Será que somos capazes de ir além das nossas circunstâncias, como Éponine, que nos revela um amor gratuito e sem interesse, apesar de uma educação num ambiente hostil e interesseiro?
Seremos nós também capazes de renunciar às origens pelo sentido de justiça e liberdade, como Marius?
Será que estaremos condenados (e é mesmo isso, condenados!) a pensar como Javert, quando diz: “Homens como tu não mudam”?

Podemos viver vidas difíceis, mas o espírito humano é mais forte do que qualquer outra coisa. E é possível continuar sempre a sonhar, como Fantine, que “o Senhor é piedoso” e (acrescento) os “homens misericordiosos”, e como todas as outras personagens “Depois da barricada há um Mundo a ver”. Na luta Ele dá força e acompanha!
É que às vezes a única coisa a que nos podemos comprometer é a isso mesmo: a estar lá na miséria e no sofrimento. E isso de miserável nada tem!




17 fevereiro, 2014

História de uma vocação…


… testemunho de um carmelita descalço secular



Ao iniciar este artigo testemunhal, veio-me ao pensamento Santa Teresa do Menino Jesus, que ao começar a sua autobiografia escreveu que ia “cantar as misericórdias do Senhor”. De facto a história da vocação de qualquer pessoa, outra coisa não é do que “cantar as misericórdias do Senhor”, pois Ele é o protagonista, é Ele quem chama e é Ele que nos dá as forças para lhe darmos o nosso sim.
A minha vocação carmelita começa na minha infância, com uma atracção especial por Jesus e todo o religioso.
Sem ter a consciência disso, posso dizer, sem faltar à verdade que, desde então, era um contemplativo. Assim, era Deus humanado, Jesus Cristo quem me atraía para Si e me chamava a segui-Lo.
O meu contacto, desde muito pequenino, com o Carmelo ajudou muito a crescer e a desenvolver este espírito contemplativo que o Senhor depositou em mim.
Durante a minha adolescência senti, de maneira muito intensa, que O Senhor me tinha seduzido e que não tinha outra opção senão deixar-me seduzir por Ele. Nasceu, então, uma sede de oração. Tinha uma grande necessidade de fazer oração. Seguia as minhas devoções (oração vocal), mas isto não me bastava, precisava que me ensinassem a orar (oração mental). O exemplo e testemunho de Santa Teresa de Jesus, fizeram-me sentir que era na “escola” do Carmelo que eu devia aprender esta “ciência” maravilhosa que me permitia saborear a presença deste Deus que me chamava a viver na Sua intimidade. Aqui percebi que a minha vocação era o Carmelo. Desejava ser filho de Santa Teresa de Jesus e de São João da Cruz. A maneira de realizar esta vocação, não o sabia.
Iniciei, na juventude, um processo vocacional, com o meu director espiritual, e vendo e analisando as várias possibilidades de consagração (sacerdotal, religiosa ou laical), segundo variados carismas, que como flores, perfumam o imenso jardim que é a Igreja, percebi que só no Carmelo me podia realizar e ser feliz, como pessoa e como cristão.
Senti, desde logo, que a minha vocação era contemplativa e laical. Desejava ser como um monge no meio do mundo.
Como realizar esta vocação? Dentro do Carmelo tinha a oportunidade de conciliar a minha vocação carmelitana, contemplativa e laical. E foi assim que entrei no Carmelo Secular.
Durante um tempo ainda pensei que o melhor seria entrar na Ordem como frade e fiz uma pequena experiência vocacional entre os Frades Carmelitas. Mas, realmente, identificava-me mais com o Carmelo Secular.
A fundação do Carmelo Secular do Porto (onde habito) deu-se no dia 16 de Julho de 1997, no antigo e extinto Carmelo do Porto. Como o grupo era muito numeroso, o Delegado Provincial do Carmelo Secular, determinou que se dividisse em dois grupos. Na verdade havia um grupo proveniente de Paços de Ferreira e um grupo de pessoas da região do Porto. Esta divisão deu origem às duas comunidades, atuais, do Carmelo Secular de Paços de Ferreira e do Porto.
Seguindo um rumo novo, o grupo do Porto, por minha iniciativa, foi reunido e estabeleceu-se no Convento dos Carmelitas Descalços do Porto. Com o aval do Provincial e do superior do Convento.
Sugeri que a comunidade se chamasse Stella Maris, um título de Nossa Senhora do Carmo, tão querido entre nós, carmelitas.
Passamos por muitas fases e dificuldades, mas permanecemos fiéis aos nossos encontros mensais, de formação e oração.
Fui o fundador da Fraternidade Stella Maris do Carmelo Secular do Porto, o impulsionador, responsável e formador, desde 1997 até 2010. Agora a comunidade continua, com novos rumos e sempre na escuta do que Deus nos pede.
Juntamente com as monjas de clausura e os frades, os carmelitas seculares, formam uma mesma família, a Ordem dos Carmelitas Descalços, com a mesma vocação e missão dentro da Igreja e para o mundo.
Como carmelita descalço, tenho a vocação primeira de buscar, pela oração e contemplação, a presença e a intimidade com Deus, que me ama com um amor eterno e que me aceita tal como sou, com as minhas virtudes e defeitos. E como missão, testemunhar, na família, no ambiente em que vivo, no trabalho e onde quer que me encontre, esta experiência de Deus que nos envolve com o Seu amor e misericórdia.
Deste modo, encontrei a minha vocação: ser um contemplativo no meio do mundo, um “monge/eremita” urbano, levando a todas as realidades humanas e às estruturas sociais esta presença misteriosa de Deus, na nossa alma, que nos alegra, fortifica e dá sentido à nossa existência, pois “Só Deus basta”!


António José de Jesus (Gomes Machado), OCDS

16 fevereiro, 2014

Medida alta da vida cristã ordinária


1. Continuamos a escutar, neste VI Domingo do Tempo Comum, o sublime Discurso da Montanha, hoje as quatro primeiras das famosas «seis antíteses» (Mateus 5,17-48), cujos temas são: o homicídio, o adultério, o divórcio, o perjúrio, a lei de talião, o amor ao próximo. Ouviremos então, neste VI Domingo do Tempo Comum, o sublime dizer de Jesus sobre os primeiros quatro temas: homicídio, adultério, divórcio e perjúrio (Mateus 5,17-37), enquanto nos preparamos para ouvir no próximo Domingo, VII do Tempo Comum, os últimos dois importantes temas: a lei de talião e o amor que a todos devemos (Mateus 5,38-48).

2. Não nos esqueçamos que continuamos na Montanha, nas alturas, pois há certas maneiras de viver e de sentir que só podem ter o seuhabitat nas alturas. O Papa João Paulo II escreveu na Carta ApostólicaNovo Millennio Ineunte (2001), n.º 31, que perguntar a um catecúmeno se ele quer receber o baptismo é o mesmo que perguntar-lhe se ele quer ser santo, e fazer-lhe esta última pergunta é colocá-lo no caminho do Sermão da Montanha. E logo a seguir, na mesma Carta e no mesmo número, João Paulo II define a santidade como a «”medida alta” da vida cristã ordinária». É, portanto, imperioso que o cristão aprenda a ganhar altura, não para se separar dos caminhos lamacentos do quotidiano, mas para os encher de um amor maior.

3. Cada uma das «seis antíteses» abre com as palavras de Jesus: «Ouvistes o que foi dito»; «porém, eu digo-vos». Com esta técnica de contraponto, Jesus não quer que se desperdice nada do Antigo Testamento; quer antes enchê-lo, levar quanto aí é dito, que é Palavra de Deus, ao seu ponto mais fundo e mais alto. Por exemplo, quando ouvimos o que foi dito: «Não matarás!», não basta determo-nos no limiar do assassínio, como manda a letra, de acordo com uma leitura literalista e legalista da Palavra de Deus. É preciso ir mais fundo e mais alto: mondar todas as raízes da ira, do ciúme, da inveja, do ódio, desprezo e desamor, e encher todos os regos e cicatrizes de mais amor, mais amor, mais amor, só amor. Não se trata apenas de travar a fundo no último momento, evitando o acidente; trata-se de viver permanentemente a nova cultura do amor. Neste sentido, escreve S. João, com ponta fina de diamante, não na pedra ou no papiro, mas no nosso coração meio embotado e engessado: «Quem não ama o seu irmão, é homicida» (1 João 3,15).

 4. E assim também o adultério, o divórcio, o perjúrio. Qualquer destes pontos representa o fim de um amor, que é sempre um acontecimento dramático. Veja-se atentamente, neste mundo cinzento e insonso, sem sol e sem sal, em que vivemos, o drama imenso que cada divórcio comporta. Mas, para encher de sentido o «porém, eu digo-vos» de Jesus sobre estes pontos precisos, também não basta viver uma vida cinzenta e mentirosa e evitar em cima da linha chegar ao adultério, ao divórcio ou ao perjúrio. É necessário encher a vida inteira de amor, de mais amor, só de amor.

 5. É preciso levantar a vida, o coração, até ao cimo do monte das Bem-Aventuranças, e deixar-se deslumbrar, como a multidão, com este novíssimo, em conteúdo e método, ensinamento de Jesus (Mateus 7,28-29).

6. O belo Livro de Ben-Sirá (15,16-21) lembra-nos hoje que os mandamentos de Deus estão todos cheios apenas de bondade. E S. Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios (2,6-10), diz-nos que a sabedoria dos senhores deste mundo – e às vezes nós pretendemos sê-lo com as nossas acções insensatas – nos encaminha para a ruína. É de Deus que nos vem a maravilha de uma sabedoria nova, isto é, de uma maneira nova de viver e de morrer. Chama-se santidade, «medida alta» da vida cristã.

 7. À nossa frente estão sempre os caminhos do Senhor, que devemos calcorrear com alegria e felicidade recebida e dada, enquanto cantamos a imensa partitura do Salmo 119, admirável compsição de 1064 palavras reunidas, repartidas, repetidas, entretecidas e entretidas à volta da Palavra de Deus que alumia a nossa vida. Blaise Pascal recitava este Salmo todos os dias.


António Couto, in Mesa de Palavras

03 fevereiro, 2014

A rapariga que roubava livros



Título original: The book thief
Realizador: Brian Percival
Com: Sophie Nélisse, Nico Liersch, Emily Watson, Geoffrey Rush
Género: drama, guerra
Outros dados: 2013, cores, 131min, EUA, Trailer

Sou um sortudo por poder escrever sobre um dos filmes mais bonitos e marcantes que alguma vez vi. As relações de amizade desenroladas, a grande interpretação de Geoffrey Rush e a banda sonora composta pelo eterno John Williams são algumas das belezas deste filme.

A Rapariga que Roubava Livros baseia-se no bestseller de Markus Zusak e tem a sua acção na Alemanha, durante a II Guerra Mundial. O enredo é narrado pela própria morte, que nos conta a história de uma rapariga, Liesel Meminger, que lhe captou o interesse. Liesel, filha de uma comunista perseguida pelo regime Nazi, é entregue a uma família de acolhimento alemã, composta por Rosa e Hans. Rosa é uma mulher fria e pouco alegre enquanto que Hans, pelo contrário, é um homem bastante amável e bondoso.

Hans, homem culto, descobre que Liesel não sabe ler nem escrever e decide então ensinar-lhe o abecedário. A rapariga vai alimentando o seu gosto pela leitura ao mesmo tempo que conhece o pequeno Rudy, com quem cria uma forte amizade. É uma amizade que comove. Os pequenos gestos, filmados com um especial encanto, como a alegria que os dois demonstram quando brincam.

Tocou-me muito a amizade nascida e construída entre cada uma das personagens. É engraçado verificar que são as suas coesas relações que lhes dão a esperança, em tempos de crise. Não estará na altura, de confiarmos verdadeiramente nas pessoas que mais querem o nosso bem, para ultrapassarmos os momentos difíceis?

Este é um filme que nos faz pensar sobre as nossas amizades e sobre como usar as nossas qualidades para afastar a escuridão. Temos muito medo da morte, do desconhecido, mas a bondade presente em cada um de nós e a vontade de amar cada vez mais ajudam-nos a relativizá-la. Se calhar não somos nós que somos assombrados pela morte, mas é ela que é assombrada por todos nós...

António Oom Costa, in http://www.essejota.net/

31.01.2014


02 fevereiro, 2014

COM JESUS NO CORAÇÃO OU O RETRATO DE ANA E SIMEÃO



1. A Igreja Una e Santa celebra no dia 2 de Fevereiro, quarenta dias depois do Natal, a Festa da Apresentação do Senhor, que as Igrejas do Oriente conhecem por Festa do Encontro (Hypapantê) e dos Encontros: Encontro de Deus com o seu Povo agradecido, mas também de Maria, de José e de Jesus com Simeão e Ana. Também connosco.

 2. Quarenta dias depois do seu nascimento, sujeito à Lei (Gálatas 4,4), Jesus, como filho varão primogénito, é apresentado a Deus, a quem, sempre segundo a Lei de Deus, pertence. De facto, o Livro do Êxodo prescreve que todo o filho primogénito, macho, quer dos homens quer dos animais, é pertença de Deus (Êxodo 13,11-13), bem como os primeiros frutos dos campos (Deuteronómio 26,1-10).

 3. É assim que, para cumprir a Lei de Deus, quarenta dias depois do seu nascimento, Jesus é levado pela primeira vez ao Templo, onde, também pela primeira vez, se deixa ver como a Luz do mundo e a nossa esperança.

 4. Compõe a cena um velhinho chamado Simeão, nome que significa «Escutador», que vive atentamente à escuta, em Hi-Fi, alta-fidelidade, alta frequência, alta definição, amor novo, e que o Evangelho apresenta como um homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel. Ora, esse velhinho que vivia à espera e à escuta, com premurosa atenção e coração vigilante, veio ao Templo sob o impulso do Espírito (en tô pneúmati). Fica aqui declarada a qualidade da energia e da alegria que move o velho e querido Simeão: não é movido a carvão, nem a água, nem a vento, nem a petróleo e seus derivados, nem a electricidade, nem a energia nuclear. Simeão é movido pelo Espírito Santo. Maneira novíssima de viver, pausa e bemol na nossa impetuosidade, na nossa vontade de aparecer e de fazer, pausa e bemol nos nossos protagonismos e vontade de poder. Falamos quase sempre antes do tempo, e não chegamos a dar lugar à suave voz do Espírito. Na verdade, adverte-nos Jesus: «Não sois vós que falais, mas o Espírito Santo» (Marcos 13,11; cf. Mateus 10,20; Lucas 12,12). Portanto, é urgente esperar! Regressemos, pois, à beleza de Simeão. Ao ver aquele Menino, recebeu-o carinhosamente nos braços. Por isso, os Padres gregos dão a Simeão o título belo de Theodóchos [= «recebedor de Deus»]. É então que Simeão entoa o canto feliz do entardecer da sua vida, um dos mais belos cantos que a Bíblia registra: «Agora, Senhor, podes deixar o teu servo partir em paz, porque os meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos, Luz que vem iluminar as nações e glória do teu povo, Israel!» (Lucas 2,29-32).

 5. E, na circunstância, também uma velhinha chegou carregada de Graça e de Esperança. Chamava-se Ana, que significa «Graça». É
dita «Profetisa», isto é, que anda, também ela, sintonizada em Hi-Fi, alta-fidelidade, com a Palavra de Deus escutada, vivida e anunciada. Diz ainda o texto que era filha de Fanuel, nome que significa «Rosto de Deus», e que era da tribo de Aser, que quer dizer «Felicidade». Tanta intimidade com Deus! Também esta velhinha, serena e feliz, com 84 anos, número perfeito de números perfeitos (7 x 12), teve a Graça de ver aquele Menino. E diz bem o texto do Evangelho que Ana «falava daquele Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém» (Lucas 2,38). Outra vez a beleza inteira do díptico do Evangelho de Lucas: Simeão e Ana. Simeão esperava e Ana anunciava. Eis aqui presente, nestes dois maravilhosos velhinhos, a inteira Escritura dos dois Testamentos, e o retrato a corpo inteiro do Consagrado, que, na Bíblia hebraica, se diz Nazîr, um nome passivo e receptivo, totalmente dedicado a Deus, conduzido por Deus, «compondo» com emoção os acontecimentos de Deus.

 6. Esta é a Festa da Alegria e da Esperança acumulada e realizada. É a Festa da Luz. Simeão e Ana viram a Luz e exultaram de Alegria. Hoje somos nós que nos chamamos Simeão e Ana. Somos nós que recebemos esta Luz nos braços, e que ficamos a fazer parte da família da Felicidade e a viver pertinho de Deus, Rosto a Rosto com Deus, Escutadores atentos do bater do coração de Deus, movidos pelo Espírito de Deus, Recebedores de Deus, Anunciadores de Deus. Rezamos hoje para que, nesta sociedade de coisas e de números (cf. Isaías 5,8), os Consagrados vivam cada vez mais Rosto a Rosto com Deus, e dêem testemunho no mundo deste Dom maravilhoso.

 7. Por isso e para isso é que Ele vem, conforme a lição de Malaquias 3,1-4 e Hebreus 2,14-18. Vem de Deus, mas senta-se connosco. Em tudo semelhante aos seus irmãos. Lava-nos os pés e a alma. Apaga os nossos pecados. Põe-nos em comunhão com Deus. Tanta proximidade faz deste Dia a Festa do Encontro.

 8. Não nos conformemos, pois, com as pedras e as pautas deste mundo (Romanos 12,2). Experimentemos viver em Hi-Fi, alta frequência, alta-fidelidade, alta dedicação, amor novo. Anda por aí uma música nova à nossa espera. É como um som que nunca se ouviu, como um silêncio que nunca se calou! Que Maria, a Mãe da Alegria, nos leve pela mão e nos ensine a subir e a descer a escadaria do coração.


 D. António Couto, in Mesa de Palavras

01 fevereiro, 2014

Patriarca de Lisboa pede aos «servidores da justiça» para se deixarem iluminar pela «inspiração bíblica»



«Deixai-vos iluminar, de facto, pela inspiração bíblica, cada vez mais acolhida no coração e na inteligência, donde promane uma justíssima vontade», pediu esta quarta-feira o patriarca de Lisboa aos «servidores da justiça».

As palavras de D. Manuel Clemente, publicadas no site do Patriarcado, foram proferidas na sé patriarcal lisboeta, durante a missa de abertura do novo ano judicial.

«Falei de “inspiração”, porque assim reconhecemos a tradição bíblica, como foi passada a escrito pelos nossos antepassados na fé. Por isso a lemos e relemos, para que tome bem conta dos nossos corações, como semente caída em boa terra, que assim germina, consequente e forte», apontou.

«A partir de Deus, iremos onde a sua inspiração nos levar, sempre muito além e até diversamente do que prevíamos», acrescentou.

O patriarca pediu aos participantes na celebração para que a Bíblia seja para eles fonte de interpelação permanente: «E sem nos habituarmos superficialmente a uma Palavra que, bem pelo contrário, nos desabitua e alarga sempre».

«Inconstância ou acolhimento, eis o que determina da nossa parte a diversa consequência da inspiração divina, no que somos ou não somos, no que decidimos ou não e no modo como tudo isso aconteça», afirmou.

O também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa sublinhou que no âmbito da justiça «cada caso é um caso, mas contém sempre um ser humano, tantas vezes para humanizar ainda e muito».

O prelado mostrou-se convicto de que os agentes judiciais são «especiais colaboradores» do «Deus da justiça e da paz», para que estas «se pratiquem no mundo».

«Acreditai que Deus está convosco e acreditai-vos com Deus, em confiança profunda no que Ele quer fazer através de vós, para que a cada um seja dado o que lhe é devido», apelou o patriarca.

D. Manuel Clemente lembrou que «a Igreja serve a sociedade como “inspiração” e aproxima-se da justiça humana para lhe oferecer o que acredita convictamente ser uma divina potenciação».




Rui Jorge Martins, in © SNPC | 30.01.14