1. Continuamos a escutar, neste VI Domingo do Tempo Comum, o sublime
Discurso da Montanha, hoje as quatro primeiras das famosas «seis antíteses»
(Mateus 5,17-48), cujos temas são: o homicídio, o adultério, o divórcio, o
perjúrio, a lei de talião, o amor ao próximo. Ouviremos então, neste VI Domingo
do Tempo Comum, o sublime dizer de Jesus sobre os primeiros quatro temas:
homicídio, adultério, divórcio e perjúrio (Mateus 5,17-37), enquanto nos
preparamos para ouvir no próximo Domingo, VII do Tempo Comum, os últimos dois
importantes temas: a lei de talião e o amor que a todos devemos (Mateus
5,38-48).
2. Não nos esqueçamos que continuamos na Montanha, nas alturas, pois há
certas maneiras de viver e de sentir que só podem ter o seuhabitat nas
alturas. O Papa João Paulo II escreveu na Carta ApostólicaNovo Millennio
Ineunte (2001), n.º 31, que perguntar a um catecúmeno se ele quer
receber o baptismo é o mesmo que perguntar-lhe se ele quer ser santo, e
fazer-lhe esta última pergunta é colocá-lo no caminho do Sermão da Montanha. E
logo a seguir, na mesma Carta e no mesmo número, João Paulo II define a
santidade como a «”medida alta” da vida cristã ordinária». É, portanto,
imperioso que o cristão aprenda a ganhar altura, não para se separar dos
caminhos lamacentos do quotidiano, mas para os encher de um amor maior.
3. Cada uma das «seis antíteses» abre com as palavras de Jesus: «Ouvistes o
que foi dito»; «porém, eu digo-vos». Com esta técnica de contraponto, Jesus não
quer que se desperdice nada do Antigo Testamento; quer antes enchê-lo, levar
quanto aí é dito, que é Palavra de Deus, ao seu ponto mais fundo e mais alto.
Por exemplo, quando ouvimos o que foi dito: «Não matarás!», não basta
determo-nos no limiar do assassínio, como manda a letra, de acordo com uma
leitura literalista e legalista da Palavra de Deus. É preciso ir mais fundo e
mais alto: mondar todas as raízes da ira, do ciúme, da inveja, do ódio,
desprezo e desamor, e encher todos os regos e cicatrizes de mais amor, mais
amor, mais amor, só amor. Não se trata apenas de travar a fundo no último
momento, evitando o acidente; trata-se de viver permanentemente a nova cultura
do amor. Neste sentido, escreve S. João, com ponta fina de diamante, não na
pedra ou no papiro, mas no nosso coração meio embotado e engessado: «Quem não
ama o seu irmão, é homicida» (1 João 3,15).
4. E assim também o adultério, o divórcio, o perjúrio. Qualquer
destes pontos representa o fim de um amor, que é sempre um acontecimento
dramático. Veja-se atentamente, neste mundo cinzento e insonso, sem sol e sem
sal, em que vivemos, o drama imenso que cada divórcio comporta. Mas, para
encher de sentido o «porém, eu digo-vos» de Jesus sobre estes pontos precisos,
também não basta viver uma vida cinzenta e mentirosa e evitar em cima da linha
chegar ao adultério, ao divórcio ou ao perjúrio. É necessário encher a vida inteira
de amor, de mais amor, só de amor.
5. É preciso levantar a vida, o coração, até ao cimo do monte das
Bem-Aventuranças, e deixar-se deslumbrar, como a multidão, com este novíssimo,
em conteúdo e método, ensinamento de Jesus (Mateus 7,28-29).
6. O belo Livro de Ben-Sirá (15,16-21) lembra-nos hoje que os mandamentos
de Deus estão todos cheios apenas de bondade. E S. Paulo, na Primeira Carta aos
Coríntios (2,6-10), diz-nos que a sabedoria dos senhores deste mundo – e às
vezes nós pretendemos sê-lo com as nossas acções insensatas – nos encaminha
para a ruína. É de Deus que nos vem a maravilha de uma sabedoria nova, isto é,
de uma maneira nova de viver e de morrer. Chama-se santidade, «medida alta» da
vida cristã.
7. À nossa frente estão sempre os caminhos do Senhor, que devemos
calcorrear com alegria e felicidade recebida e dada, enquanto cantamos a imensa
partitura do Salmo 119, admirável compsição de 1064 palavras reunidas,
repartidas, repetidas, entretecidas e entretidas à volta da Palavra de Deus que
alumia a nossa vida. Blaise Pascal recitava este Salmo todos os dias.
António Couto, in Mesa de Palavras
Sem comentários:
Enviar um comentário