1. A «caminhada» quaresmal aproxima-se da sua meta
e do seu verdadeiro ponto de partida: a Cruz Gloriosa onde resplandece para
sempre o Rosto do imenso, indizível amor de Deus. Nesta altura do
percurso (supõe-se que encetámos uma subida espiritual: entenda-se
no Espírito Santo e com o Espírito Santo), baptizados e catecúmenos devem estar
já a ser Iluminados por essa luz, a ponto de se desfazerem das
«obras das trevas» e de abraçarem as «obras da Luz», como verdadeiros
discípulos que seguem o Mestre até ao fim, que é também o princípio, a Fonte da
Vida verdadeira donde jorra o Espírito Santo (sempre Actos 2,32-33; João
19,30.34; 7,38-39). Os catecúmenos têm neste Domingo V da Quaresma – Domingo da
dádiva da Ressurreição – os seus terceiros «escrutínios»: última «chamada» para
a Liberdade antes da Noite Pascal Baptismal.
2. A Ressurreição de Lázaro (João 11,1-45)
constitui o sexto dos sete «sinais» do Mistério de Cristo segundo o Evangelho
de João. Depois das bodas de Caná (João 2,1-12) (1.º), da cura do filho do
oficial em Cafarnaum (João 4,46b-54) (2.º), da cura do paralítico na «piscina
probática» (João 5,1-47) (3.º), da multiplicação dos pães e dos peixes (João
6,1-14) (4.º), da Iluminação da cego de nascença (João 9,1-41)
(5.º), e antes do Sétimo Grande Último Primeiro «Sinal» que é a própria
Ressurreição do Senhor, «o Sinal da Santa Cruz», decifrado pelo Espírito Santo,
com que todos fomos (somos) marcados para sempre (Efésios 1,13; 4,30).
3. Em boa verdade, o episódio da morte /
ressurreição de Lázaro remete de forma clara para a Morte / Ressurreição do
Senhor. O tempo que marca a narrativa não é o tempo de Lázaro (da sua doença,
da sua morte, do seu sepultamento), mas é o tempo (a hora) de Jesus, o Filho de
Deus, Aquele-que-Vem sempre, passageiro total, pascal. Por isso, quando recebe
a notícia da doença do amigo, Jesus deixa passar propositadamente dois dias
(João 11,6), e é ao terceiro dia que se encaminha para a
Judeia (João 11,7), e é ao terceiro dia que chama Lázaro da
morte (João 11,43). Pouco importa que para Lázaro seja já o quarto dia! (João
11,17 e 39). Verdadeiramente importante é a hora-que-vem (!), agora, em que os
mortos ouvirão a voz do Filho de Deus (João 5,25 e 28), Aquele-que-dá-a-vida
(João 5,21; 1 Coríntios 15,45), esplendoroso Rio de Luz e de Sentido a inundar
a terra inteira, enchendo-a de Vida e de Saúde (Ezequiel 47,1-12; Apocalipse 22,1-2).
Verdadeiramente importante é este terceiro dia em que o Filho
de Deus é glorificado (João 11,4), e suscita a fé de todos os intervenientes na
cena: dos discípulos (João 11,15), de Marta (João 11,27), de Maria (João
11,29.32), da multidão (João 11,42), de muitos judeus (João 11,45).
4. Marta permanece ligada à corrente de uma
teologia tradicional: «Eu sei (oìda) que ressuscitará na ressurreição no
último dia» (João 11,24), e não deixa entrar em si a torrente da novidade
enunciada por Jesus, que é Jesus: «Eu Sou (egô eimi) a ressurreição e a
vida» (João 11,25). E, quando Jesus dá ordens para retirar a
pedra (João 11,39), Marta avança logo a inutilidade, mesmo o desconforto de uma
tal acção, dado que já lá vão quatro dias desde que Lázaro morreu (João 11,39).
O certo é que éretirada a pedra (João 11,41), e a nova ordem de
Jesus, Lázaro sai para fora ligado com as faixas e o rosto envolto num sudário
(João 11,44).
5. Como tudo isto aponta, em contraponto, para a
ressurreição de Jesus. Aqui, no caso de Lázaro, a pedra é mandada retirar (árate)
e é retirada(êran). O verbo aírô [retirar]
aparece nos dois casos na forma activa e no tempo aoristo. Entenda-se: por mãos
humanas e por algum tempo. Mas quando se tratar do túmulo de Jesus, a pedra
apresenta-se retirada (êrménon) na forma passiva e no tempo perfeito
(João 20,1). Entenda-se: por Deus e para sempre! È o inefável que se abre
diante dos nossos olhos! E também as faixas não prendem, e o sudário não
encobre! As faixas estão no chão, e o sudário cuidadosamente enrolado em um
lugar (João 20,6-7). Tudo está feito, e bem feito. Nenhuma acção de libertação
é necessária, como o foi em João 11,44).
6. Significativamente estes discípulos de Jesus
ficam confusos com o sono-morte de Lázaro (João 11,11-13) – a morte confunde-nos
a todos (!) – mas compreendem perfeitamente que a ida de Jesus para a Judeia é
a sua entrega à Morte (João 11,8), e vislumbram até o significado Baptismal
dessa Morte, uma vez que manifestam o desejo de morrer com Ele (João 11,16),
isto é, querem Viver aquela Morte! Como bons
catecúmenos que seguiram fielmente o Mestre, aprenderam já que a Vida
verdadeira brota daquela Morte na qual verdadeiramente somos baptizados
(Romanos 6,3-4), com-mortos, com-sepultados, com-ressuscitados,
com-vivificados, com-sentados na Glória! (Efésios 2,5-6; Colossenses 2,12-13).
Sentada estava Maria (João 11,20), figura do díscípulo (Lucas 10,39); mas
quando lhe é dito ao ouvido que o Senhor a chama (João 11,28), levantou-se (êgérthê:
verbo técnico da Ressurreição: Lucas 24,34; 1 Coríntios 15,4) de imediato e foi
ao seu encontro (João 11,29).
7. Belo, belo, belo este Jesus que vem ao nosso
encontro, que sente as nossas dores e chora connosco, que se comove connosco,
que nos ama e nos chama sempre, inclusive dos vales onde vamos caindo mortos.
Ele é a Vida. Ainda hoje, em Betânia, actual al-Azariye,
aldeiazinha situada na colina oriental que desce do monte das Oliveiras, a
cerca de três km de Jerusalém, se pode visitar, descendo 24 degraus, o túmulo
que a tradição popular atribui a Lázaro. Ao lado está a igreja franciscana,
dita «da amizade», levantada pelo famoso arquitecto Barluzzi, em 1952-1953.
8. O imenso texto de Ezequiel 37,12-14 é uma
belíssima metáfora plantada no meio da Escritura, uma lampadazinha (2 Pedro
1,19) que aponta já para a Luz nova e grande de Jesus. A metáfora mostra-nos
que os exilados na Babilónia são como ossos ressequidos e sem nenhuma
esperança. Eles estão na morte e na humilhação. O seu discurso não deixa
dúvidas: «Os nossos ossos estão secos; a nossa esperança está desfeita; para
nós está tudo acabado» (Ezequiel 37,11). Mas a Palavra de Deus manda também na
morte. Apontando para o Novo Testamento, Deuschama os mortos dos
seus túmulos, e fá-los reviver. Jesus que passa no Evangelho
de Hoje «grita com voz forte» (João 11,43), e Lázaro, morto, saiu do túmulo.
9. Paulo não se cansa de nos lembrar a vida nova
que habita os filhos de Deus (Romanos 8,8-11). «Viver em Cristo» ou «no
Espírito» são fórmulas baptismais intensas que indicam a vida nova do baptizado:
com o dom da Iluminação, marcado pelo Espírito até à Vida eterna. Mas agora é
tempo de passar, como Jesus, ao estilo de Jesus, dando um testemunho credível
da nossa condição nova de filhos de Deus, deixando o fruto do Espírito iluminar
a nossa vida. E «o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade,
benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gálatas 5,22-23).
10. Sim, o Salmo 130(129) é um grito desde o
abismo profundo em que jazemos atolados. São apenas 52 palavras hebraicas que
atiramos a Deus, Senhor do Amor fiel (hesed) da Redenção (pedût).
Cada orante que grita este Salmo sabe em que grau de profundidade está. Este é
um dos Salmos graduais ou das subidas ou das peregrinações. É uma voz que sobe
até àquele Senhor que não desprezou as nossas profundezas, mas até elas desceu,
e até elas desce!
D. António Couto, in Mesa de Palavras
Sem comentários:
Enviar um comentário