03 fevereiro, 2013

Profeta


Batem sem parar, furiosas,
as ondas do mar.
Batem na areia, na rocha dura,
Batem no vento e salta-lhes o sal
sem saber qual é o seu mal.

Combate em mim o não e o sim
o porquê, o como e o onde,
a recta, a curva e o trilho,
o fundo, o abismo e a razão,
a tempestade e o mar chão,
a calma, a tempestade e o trovão,
o ribeiro manso, a tarde calma
e tudo o mais que se armadilha na alma.

Busco o caminho
e encontro desassossego.
Lanço-me pelo lavradio e p’lo maninho
e ali mói-me e abate-me o medo.
Canso-me por trilhos sem fim,
doem-me duras as noites,
adormeço tarde e evito a sesta:
quando chegar quero estar
de olhos abertos,
e os sentidos tesos e despertos.

Mas o mais certo é já há muito
Ele ter falado ao meu coração
e a tempestade ter acalmado.
Porém eu sigo sentindo ainda
a língua fria, os duros abalos,
os piores tremores, os frios suores,
os músculos rijos, os cabelos em pé,
que são sinais da Voz dizendo-me
que não devo buscar mais.

E continua a ciciando-me
enquanto o coração não se acalma.
Não esperes, digo-me, então, que Ele diga
à tua alma com voz serena e calma:
Sou eu!

Ouve-o antes da madrugada, quando ainda
a manhã não anuncia o calor do dia.
Ouve-o antes que as flores floresçam
e o raios de sol aqueçam
a terra, as ervas e os animais.
Ouve-o quando a tarde finda
e te chama para o descanso
como aquele ribeiro manso
que desce rápido para o mar.
Ouve-o no secreto do coração
quando ele te arde como uma fogueira.
Ouve-Lhe a fala falando sem aviso,
quando é preciso e quando não.
Sim, Ele fala a vez primeira,
um cento, e um milhão.
Ouve-O, que Ele em ti fala
com voz mansa e branda,
e a seguir se cala
como quem não sabe nem manda,
nem tem poder de saber
mandar fazer fogo para aquecer.

Fr. João Costa

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