16 março, 2013

«Porque eu sou bom» (II)



Aprofundemos a Palavra

            É a vez de tentar descobrir o significado de alguns desses elementos e de me perguntar pelo ensinamento do Jesus de Mateus. Para se compreender bem esse ensinamento, ajuda muito saber o ambiente que está por detrás do texto.

            - Pai de família: a figura de Deus. A Ele pertence o Reino e a iniciativa da chamada.
- Reino dos Céus: um mundo novo de salvação e vida plena, oferecido a todos sem excepção.
            - Vinha: imagem do Antigo Testamento para designar o povo eleito (Sl 78,9; Is 5,1). É o povo do Senhor, a Igreja, a comunidade cristã.
            - Horas: o dono da vinha sai ao amanhecer, a meio da manhã, ao meio-dia, a meio da tarde e ao cair da tarde.
            - Os trabalhadores da primeira hora e da última hora: os cumpridores acérrimos da lei (escribas e fariseus) e os não cumpridores (pecadores). Os cristãos provindos do judaísmo e os cristãos provindos do paganismo. Os que passaram todos os dias da sua vida na intimidade com Deus e na escuta da Sua palavra e os que andaram arredados delas.
            - O mesmo salário: Nesta vinha, não há trabalhadores mais importantes do que os outros, não há trabalhadores de primeira e de segunda classe. Mas todos têm a mesma dignidade e importância.
            - O trabalho na vinha: os diversos serviços ou ministérios a desenvolver na comunidade. Qual é o meu lugar ou a minha tarefa a realizar na vinha do Senhor?
            - O comportamento do dono da vinha: uma denúncia da religião dos “méritos”, ensinada pelos guias espirituais de então. Estes tinham levado o povo a substituir o Deus bom, pai, esposo e amigo fiel, anunciado pelos profetas, por um deus distante, legislador, juiz, negociante e contabilista.

            Ambiente

            Neste texto proposto pelo evangelista, Jesus continua a instruir os discípulos, a fim de que compreendam a realidade do Reino e, após a sua partida, dêem testemunho dele.
O cenário que a parábola nos mostra reflecte bastante bem a realidade social e económica dos tempos de Jesus. A Galileia estava cheia de camponeses que, por causa da pressão fiscal ou de anos contínuos de más colheitas, tinham perdido as terras que pertenciam à sua família. Para sobreviver, esses camponeses sem terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e esperavam que os grandes latifundiários os contratassem para trabalhar nos seus campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada senhor tinha os seus “trabalhadores” em quem ele confiava e a quem contratava regularmente. Naturalmente, todos eles recebiam um tratamento de favor. Esse tratamento de favor implicava, concretamente, que esses “trabalhadores” fossem sempre os primeiros a ser contratados, a fim de que pudessem ganhar um dia de serviço. 

Ensinamento

A parábola refere-se a um dono de uma vinha que, ao romper da manhã, se dirigiu à praça e chamou os seus “clientes” para trabalhar na sua vinha, ajustando com eles o preço habitual: um denário. As muitas tarefas a realizar na vinha fez com que ele voltasse a sair outras vezes e trouxesse um novo grupo de trabalhadores. O trabalho decorreu sem problemas, até ao final do dia. Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho. Todos receberam o mesmo: um denário. Porém, os trabalhadores da primeira hora, ou seja, os “clientes” habituais do dono da vinha, manifestaram a sua surpresa e o seu desconcerto por, desta vez, não terem recebido um tratamento “de favor”.
A resposta final do dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem excepção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam no fim?
Quase de certeza que a parábola, primeiramente, serviu a Jesus para responder às críticas de quem se opunha ao seu comportamento demasiado próximo aos pecadores. Através dela, Jesus revela que o amor do Pai se difunde sobre todos os seus filhos, sem excepção e por igual. Para Deus, não é fulcral a hora a que se respondeu ao seu apelo; o que é fulcral é que se tenha respondido ao seu convite para trabalhar na vinha do Reino. Para Deus, não há tratamento especial por razões de antiguidade; para Deus, todos os seus filhos são iguais e merecem o seu amor.
A parábola serviu também a Jesus para pôr por terra a ideia que os guias espirituais de Israel tinham de Deus e da salvação. Para os fariseus, sobretudo, Deus era um patrão que pagava conforme as acções do homem. Se o homem cumprisse escrupulosamente a Lei, conquistaria determinados méritos e Deus pagar-lhe-ia convenientemente. O seu “deus” era uma espécie de comerciante, que todos os dias apontava no seu caderno de contas as dívidas e os créditos do homem, que um dia faria as contas finais, veria o saldo e daria a recompensa ou aplicaria o castigo. Segundo este ponto de vista, Deus não dá nada; é o homem que conquista tudo.
Para Jesus, no entanto, Deus não é um comerciante, sempre de lápis em punho a fazer contas para pagar aos homens consoante os seus merecimentos. Ele é um pai, cheio de bondade, que ama todos os seus filhos por igual e que derrama sobre todos, sem excepção, o seu amor.
A parábola foi mais tarde proposta pelo evangelista à sua comunidade para iluminar a situação concreta que a mesma estava a viver com a entrada maciça de pagãos na Igreja. Alguns cristãos de origem judaica não conseguiam entender que os pagãos, vindo mais tarde, estivessem em pé de igualdade com aqueles que tinham acolhido a proposta do Reino desde a primeira hora. Mateus deixa, no entanto, claro que o Reino é um dom oferecido por Deus a todos os seus filhos. Judeus ou gregos, escravos ou livres, cristãos da primeira ou da última hora, todos são filhos amados do Pai. Na comunidade de Jesus não há graus de antiguidade, de raça, de classe social, de merecimento. O dom de Deus é para todos, por igual.       

Acolhamos o ensinamento

            O que se pretende aqui é entrar em diálogo com a palavra de Deus, através de algumas questões: Que me diz Jesus? Põe-me alerta contra quê? Que atitude me sugere no dia-a-dia?

O Deus que Jesus me revela é um Deus que não faz negócio comigo. Ele não precisa da minha mercadoria. Não me contabiliza os créditos, nem me paga em consequência. O Deus que Jesus me anuncia é um Pai que me quer ver livre e feliz, derramando sobre mim o Seu amor de forma gratuita e incondicional.
Jesus pede-me que, ao entender esta verdade sobre Deus, isto é, que Ele não é um negociante mas um pai cheio de amor por mim, renuncie a uma lógica interesseira no meu relacionamento com Ele. Como seu filho, não devo fazer as coisas por interesse mas por estar convicto de que o comportamento que Ele me propõe é o caminho para a verdadeira vida. Quem segue o caminho certo, é feliz, encontra a paz e a serenidade e colhe, logo aí, a sua recompensa.     
O seu Reino é para mim e para todos, sem excepção. Para Ele não há marginalizados, excluídos, indignos, desclassificados… Para Ele, há homens e mulheres – todos seus filhos, independentemente da cor da pele, da nacionalidade, da classe social – a quem Ele ama, a quem Ele quer oferecer a salvação e a quem Ele convida para trabalhar na sua vinha.

Oremos com o ensinamento

            A oração é a nossa resposta a Deus; ela emerge da escuta, do aprofundamento e do acolhimento do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor sob diversas formas.

            Senhor, ensina-me a estar diante de ti com um coração livre daqueles preconceitos que ofuscam em mim a tua imagem. Dá-me um coração simples que saiba perceber, na palavra das Sagradas Escrituras, meditadas quotidianamente, o teu rosto de Deus que salva, se torna próximo de cada homem para libertá-lo do pecado. Um coração capaz de usufruir de tudo o que me ofereces, disposto a uma escuta obediente.

Apliquemo-lo à vida

            Tudo teria sido em vão se o ensinamento não viesse a dar fruto na minha existência. Quais as medidas concretas a assumir a partir deste ensinamento que escutei, aprofundei, acolhi e orei?

                Estarei mais atento ao meu trabalho na Sua vinha e ao espírito com que o faço. Farei tudo por dar a conhecer o Seu rosto de bondade e generosidade aos meus irmãos. Alegrar-me-ei com a chegada de novos trabalhadores e não requererei qualquer tipo de privilégios ou qualquer superioridade sobre esses irmãos.
Pe. Vasco

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