Aprofundemos a Palavra
É a vez de
tentar descobrir o
significado de alguns desses elementos e de me perguntar pelo ensinamento do
Jesus de Mateus. Para se compreender bem esse ensinamento, ajuda muito saber o
ambiente que está por detrás do texto.
- Pai de família:
a figura de Deus. A Ele pertence o Reino e a iniciativa da chamada.
- Reino dos Céus: um mundo novo de
salvação e vida plena, oferecido a todos sem excepção.
-
Vinha: imagem do Antigo Testamento para designar o povo eleito (Sl 78,9; Is
5,1). É o povo do Senhor, a Igreja, a comunidade cristã.
-
Horas: o dono da vinha sai ao amanhecer, a meio da manhã, ao meio-dia, a meio
da tarde e ao cair da tarde.
-
Os trabalhadores da primeira hora e da última hora: os cumpridores acérrimos da
lei (escribas e fariseus) e os não cumpridores (pecadores). Os cristãos
provindos do judaísmo e os cristãos provindos do paganismo. Os que passaram
todos os dias da sua vida na intimidade com Deus e na escuta da Sua palavra e
os que andaram arredados delas.
-
O mesmo salário: Nesta vinha, não há trabalhadores mais importantes do que os
outros, não há trabalhadores de primeira e de segunda classe. Mas todos têm a
mesma dignidade e importância.
-
O trabalho na vinha: os diversos serviços ou ministérios a desenvolver na
comunidade. Qual é o meu lugar ou a minha tarefa a realizar na vinha do Senhor?
-
O comportamento do dono da vinha: uma denúncia da religião dos “méritos”,
ensinada pelos guias espirituais de então. Estes tinham levado o povo a
substituir o Deus bom, pai, esposo e amigo fiel, anunciado pelos profetas, por
um deus distante, legislador, juiz, negociante e contabilista.
Ambiente
Neste
texto proposto pelo evangelista, Jesus continua a instruir os discípulos, a fim
de que compreendam a realidade do Reino e, após a sua partida, dêem testemunho
dele.
O cenário que
a parábola nos mostra reflecte bastante bem a realidade social e económica dos
tempos de Jesus. A Galileia estava cheia de camponeses que, por causa da
pressão fiscal ou de anos contínuos de más colheitas, tinham perdido as terras
que pertenciam à sua família. Para sobreviver, esses camponeses sem terra
alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e esperavam
que os grandes latifundiários os contratassem para trabalhar nos seus campos ou
nas suas vinhas. Normalmente, cada senhor tinha os seus “trabalhadores” em quem
ele confiava e a quem contratava regularmente. Naturalmente, todos eles
recebiam um tratamento de favor. Esse tratamento de favor implicava,
concretamente, que esses “trabalhadores” fossem sempre os primeiros a ser
contratados, a fim de que pudessem ganhar um dia de serviço.
Ensinamento
A parábola
refere-se a um dono de uma vinha que, ao romper da manhã, se dirigiu à praça e
chamou os seus “clientes” para trabalhar na sua vinha, ajustando com eles o
preço habitual: um denário. As muitas tarefas a realizar na vinha fez com que
ele voltasse a sair outras vezes e trouxesse um novo grupo de trabalhadores. O
trabalho decorreu sem problemas, até ao final do dia. Ao anoitecer, os
trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do
trabalho. Todos receberam o mesmo: um denário. Porém, os trabalhadores da
primeira hora, ou seja, os “clientes” habituais do dono da vinha, manifestaram
a sua surpresa e o seu desconcerto por, desta vez, não terem recebido um
tratamento “de favor”.
A resposta
final do dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide
derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem excepção. Ele
cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o
início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam
no fim?
Quase de
certeza que a parábola, primeiramente, serviu a Jesus para responder às
críticas de quem se opunha ao seu comportamento demasiado próximo aos
pecadores. Através dela, Jesus revela que o amor do Pai se difunde sobre todos
os seus filhos, sem excepção e por igual. Para Deus, não é fulcral a hora a que
se respondeu ao seu apelo; o que é fulcral é que se tenha respondido ao seu
convite para trabalhar na vinha do Reino. Para Deus, não há tratamento especial
por razões de antiguidade; para Deus, todos os seus filhos são iguais e merecem
o seu amor.
A parábola
serviu também a Jesus para pôr por terra a ideia que os guias espirituais de
Israel tinham de Deus e da salvação. Para os fariseus, sobretudo, Deus era um
patrão que pagava conforme as acções do homem. Se o homem cumprisse
escrupulosamente a Lei, conquistaria determinados méritos e Deus pagar-lhe-ia
convenientemente. O seu “deus” era uma espécie de comerciante, que todos os
dias apontava no seu caderno de contas as dívidas e os créditos do homem, que
um dia faria as contas finais, veria o saldo e daria a recompensa ou aplicaria
o castigo. Segundo este ponto de vista, Deus não dá nada; é o homem que
conquista tudo.
Para Jesus, no
entanto, Deus não é um comerciante, sempre de lápis em punho a fazer contas
para pagar aos homens consoante os seus merecimentos. Ele é um pai, cheio de
bondade, que ama todos os seus filhos por igual e que derrama sobre todos, sem
excepção, o seu amor.
A parábola foi
mais tarde proposta pelo evangelista à sua comunidade para iluminar a situação
concreta que a mesma estava a viver com a entrada maciça de pagãos na Igreja.
Alguns cristãos de origem judaica não conseguiam entender que os pagãos, vindo mais
tarde, estivessem em pé de igualdade com aqueles que tinham acolhido a proposta
do Reino desde a primeira hora. Mateus deixa, no entanto, claro que o Reino é
um dom oferecido por Deus a todos os seus filhos. Judeus ou gregos, escravos ou
livres, cristãos da primeira ou da última hora, todos são filhos amados do Pai.
Na comunidade de Jesus não há graus de antiguidade, de raça, de classe social,
de merecimento. O dom de Deus é para todos, por igual.
Acolhamos o ensinamento
O que se
pretende aqui é entrar em diálogo com a palavra de Deus, através de algumas
questões: Que me diz Jesus? Põe-me alerta contra quê? Que atitude me sugere no
dia-a-dia?
O Deus que
Jesus me revela é um Deus que não faz negócio comigo. Ele não precisa da minha mercadoria.
Não me contabiliza os créditos, nem me paga em consequência. O Deus que Jesus
me anuncia é um Pai que me quer ver livre e feliz, derramando sobre mim o Seu
amor de forma gratuita e incondicional.
Jesus pede-me
que, ao entender esta verdade sobre Deus, isto é, que Ele não é um negociante mas
um pai cheio de amor por mim, renuncie a uma lógica interesseira no meu
relacionamento com Ele. Como seu filho, não devo fazer as coisas por interesse
mas por estar convicto de que o comportamento que Ele me propõe é o caminho
para a verdadeira vida. Quem segue o caminho certo, é feliz, encontra a paz e a
serenidade e colhe, logo aí, a sua recompensa.
O seu Reino é
para mim e para todos, sem excepção. Para Ele não há marginalizados, excluídos,
indignos, desclassificados… Para Ele, há homens e mulheres – todos seus filhos,
independentemente da cor da pele, da nacionalidade, da classe social – a quem
Ele ama, a quem Ele quer oferecer a salvação e a quem Ele convida para
trabalhar na sua vinha.
Oremos com o ensinamento
A oração é a nossa
resposta a Deus; ela emerge da escuta, do aprofundamento e do acolhimento do
texto sagrado, e dirige-se ao Senhor sob diversas formas.
Senhor,
ensina-me a estar diante de ti com um coração livre daqueles preconceitos que
ofuscam em mim a tua imagem. Dá-me um coração simples que saiba perceber, na
palavra das Sagradas Escrituras, meditadas quotidianamente, o teu rosto de Deus
que salva, se torna próximo de cada homem para libertá-lo do pecado. Um coração
capaz de usufruir de tudo o que me ofereces, disposto a uma escuta obediente.
Apliquemo-lo à vida
Tudo teria
sido em vão se o ensinamento não viesse a dar fruto na minha existência. Quais
as medidas concretas a assumir a partir deste ensinamento que escutei,
aprofundei, acolhi e orei?
Pe. Vasco
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