«Mas Paulo disse aos lictores:
«Açoitaram-nos em público, sem julgamento, a
nós que somos cidadãos romanos; (…) Depois disso, Paulo afastou-se de
Atenas e foi para Corinto. Encontrou ali um judeu chamado Áquila, natural do
Ponto, recentemente chegado da Itália com Priscila, sua mulher, porque um édito
de Cláudio ordenara que todos os judeus se afastassem de Roma. Paulo foi
procurá-los e, como eram da mesma
profissão - isto é, fabricantes de tendas - ficou em casa deles e começou a
trabalhar» (cf. Act 16,37; 18,3).
Actividade profissional e classe social
Paulo era fabricante de tendas. Tendo em
conta as práticas do seu tempo, deve ter aprendido essa actividade com o próprio
pai. Tal aprendizagem iniciava aos 13 anos de idade e estendia-se por dois ou
três anos. O aprendiz laborava o dia inteiro e obedecia a uma grande disciplina.
Aprendia a arte, ou para ter um sustento de vida, como trabalhador, ou para substituir
o pai, como gestor dos negócios. Isso tinha a ver com os bens do pai. Qual era
a “conta bancária” do pai de Paulo? Paulo, sempre que podia, declarava que era
Cidadão Romano, e que possuía esse direito «por nascimento», isto é, herdou-o
do pai! Quer dizer que o pai ou o avô de Paulo conseguiu obter a Cidadania Romana,
a ponto de poder conferi-la aos filhos! Isso requeria «grande soma de dinheiro
(cf. Act 22,28). Alguns especialistas concluem que o pai deve ter sido patrão de
uma oficina com empregados. Por isso, é possível que Paulo tenha aprendido a
arte, não tanto por causa de um sustento de vida, como trabalhador, mas antes
para gerir a oficina do pai, como proprietário. Como cidadão, Paulo era membro
oficial da cidade (a polis) e podia participar na assembleia do povo, onde se
falava e se tomavam decisões em relação a tudo que se referia à vida e à
organização da polis (= cidade). Daí resulta a palavra «política». Naquela
época, as cidades eram mais autónomas que hoje. A sociedade dividia-se em três
classes básicas: cidadãos, libertos e escravos. Só os cidadãos eram chamados
povo (= demos), e só eles participavam nas assembleias. Os escravos, os
libertos e, já agora, os estrangeiros, não tinham esse direito. Os gregos
chamavam a este sistema «demo (= povo) – cracia (= governo)». Na realidade, não
vinha a ser «governo do povo». Era governo apenas da pequena elite dos
cidadãos. Dentro do Império Romano, particularmente nas grandes cidades, os
judeus viviam organizados em associações, reconhecidas pelos respectivos
governos. Essas associações gozavam de certa autonomia. Era através delas que
os judeus procuravam fazer valer os seus direitos junto do governo do Império,
nomeadamente o direito à plena integração dos seus membros como cidadãos na
vida da cidade e à plena liberdade religiosa. Assim, teriam direito à isenção
de determinadas taxas e impostos e poderiam observar a Lei de Deus e as
«tradições paternas». Nessa luta, conseguiram bons resultados desde os tempos de
Júlio César. Desta maneira, entende-se também por que é que os judeus da
diáspora não sentiam tanto o peso do domínio romano. Eles não eram tão
explorados como os agricultores do interior da Palestina. Tinham até certos
privilégios. Em parte, é isso que explica por que é que Paulo não se opunha ao
Império. Ele chegou a pedir: «Submeta-se cada qual às autoridades constituídas»
(Rm 13,1). Não temos informações acerca do papel do cidadão Paulo de Tarso na
vida política da sua cidade ou nas associações dos judeus. Mas sabemos que tinha
um papel preponderante na vida da sua comunidade. Reunia competências de líder:
foi testemunha oficial na execução de Estêvão (cf. Act 7,58); foi emissário do
Sinédrio para Damasco (cf. Act 9,2; 22,5; 26,12); alguns estudiosos pensam que
chegou mesmo a ser membro do Sinédrio, isto é, do Supremo Tribunal da
Comunidade judaica em Jerusalém. Cidadão Romano, Cidadão de Tarso, aluno de
Gamaliel, formação superior, líder nato, membro activo da comunidade, formado
muito provavelmente para assegurar a oficina do pai: todos esses títulos e
competências fazem-nos vê-lo entre a elite da sociedade, tanto por formação,
como por posse e liderança. Paulo tinha diante de si um grande futuro e a
possibilidade de uma carreira espectacular. Mas a entrada de Jesus na sua vida
alterou essa situação vantajosa. O que era lucro tornou-se perda (cf. Fl 3,7).
Por causa de Cristo perdeu tudo. Ele mesmo dirá mais tarde: «Por causa d’Ele
tudo desprezei, tudo considero como lixo, a fim de ganhar Cristo» (Fl 3,8).
Pe. Vasco
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