22 junho, 2013

Bilhete de identidade de Paulo (II)


«Mas Paulo disse aos lictores: «Açoitaram-nos em público, sem julgamento, a nós que somos cidadãos romanos; (…) Depois disso, Paulo afastou-se de Atenas e foi para Corinto. Encontrou ali um judeu chamado Áquila, natural do Ponto, recentemente chegado da Itália com Priscila, sua mulher, porque um édito de Cláudio ordenara que todos os judeus se afastassem de Roma. Paulo foi procurá-los e, como eram da mesma profissão - isto é, fabricantes de tendas - ficou em casa deles e começou a trabalhar» (cf. Act 16,37; 18,3).


Actividade profissional e classe social



Paulo era fabricante de tendas. Tendo em conta as práticas do seu tempo, deve ter aprendido essa actividade com o próprio pai. Tal aprendizagem iniciava aos 13 anos de idade e estendia-se por dois ou três anos. O aprendiz laborava o dia inteiro e obedecia a uma grande disciplina. Aprendia a arte, ou para ter um sustento de vida, como trabalhador, ou para substituir o pai, como gestor dos negócios. Isso tinha a ver com os bens do pai. Qual era a “conta bancária” do pai de Paulo? Paulo, sempre que podia, declarava que era Cidadão Romano, e que possuía esse direito «por nascimento», isto é, herdou-o do pai! Quer dizer que o pai ou o avô de Paulo conseguiu obter a Cidadania Romana, a ponto de poder conferi-la aos filhos! Isso requeria «grande soma de dinheiro (cf. Act 22,28). Alguns especialistas concluem que o pai deve ter sido patrão de uma oficina com empregados. Por isso, é possível que Paulo tenha aprendido a arte, não tanto por causa de um sustento de vida, como trabalhador, mas antes para gerir a oficina do pai, como proprietário. Como cidadão, Paulo era membro oficial da cidade (a polis) e podia participar na assembleia do povo, onde se falava e se tomavam decisões em relação a tudo que se referia à vida e à organização da polis (= cidade). Daí resulta a palavra «política». Naquela época, as cidades eram mais autónomas que hoje. A sociedade dividia-se em três classes básicas: cidadãos, libertos e escravos. Só os cidadãos eram chamados povo (= demos), e só eles participavam nas assembleias. Os escravos, os libertos e, já agora, os estrangeiros, não tinham esse direito. Os gregos chamavam a este sistema «demo (= povo) – cracia (= governo)». Na realidade, não vinha a ser «governo do povo». Era governo apenas da pequena elite dos cidadãos. Dentro do Império Romano, particularmente nas grandes cidades, os judeus viviam organizados em associações, reconhecidas pelos respectivos governos. Essas associações gozavam de certa autonomia. Era através delas que os judeus procuravam fazer valer os seus direitos junto do governo do Império, nomeadamente o direito à plena integração dos seus membros como cidadãos na vida da cidade e à plena liberdade religiosa. Assim, teriam direito à isenção de determinadas taxas e impostos e poderiam observar a Lei de Deus e as «tradições paternas». Nessa luta, conseguiram bons resultados desde os tempos de Júlio César. Desta maneira, entende-se também por que é que os judeus da diáspora não sentiam tanto o peso do domínio romano. Eles não eram tão explorados como os agricultores do interior da Palestina. Tinham até certos privilégios. Em parte, é isso que explica por que é que Paulo não se opunha ao Império. Ele chegou a pedir: «Submeta-se cada qual às autoridades constituídas» (Rm 13,1). Não temos informações acerca do papel do cidadão Paulo de Tarso na vida política da sua cidade ou nas associações dos judeus. Mas sabemos que tinha um papel preponderante na vida da sua comunidade. Reunia competências de líder: foi testemunha oficial na execução de Estêvão (cf. Act 7,58); foi emissário do Sinédrio para Damasco (cf. Act 9,2; 22,5; 26,12); alguns estudiosos pensam que chegou mesmo a ser membro do Sinédrio, isto é, do Supremo Tribunal da Comunidade judaica em Jerusalém. Cidadão Romano, Cidadão de Tarso, aluno de Gamaliel, formação superior, líder nato, membro activo da comunidade, formado muito provavelmente para assegurar a oficina do pai: todos esses títulos e competências fazem-nos vê-lo entre a elite da sociedade, tanto por formação, como por posse e liderança. Paulo tinha diante de si um grande futuro e a possibilidade de uma carreira espectacular. Mas a entrada de Jesus na sua vida alterou essa situação vantajosa. O que era lucro tornou-se perda (cf. Fl 3,7). Por causa de Cristo perdeu tudo. Ele mesmo dirá mais tarde: «Por causa d’Ele tudo desprezei, tudo considero como lixo, a fim de ganhar Cristo» (Fl 3,8).

Pe. Vasco

Sem comentários:

Enviar um comentário