1. Neste Domingo VII do Tempo Comum, continuamos a
escutar nas alturas, em alta frequência e alta fidelidade, o que não se pode
escutar cá por baixo, em onda média, no meio do barulho e do entulho. E soam
hoje, aos nossos ouvidos atónitos, no nosso coração atónito, as duas últimas
das «seis antíteses» proferidas por Jesus no SERMÃO DA MONTANHA, e referentes à
lei de talião e ao amor ao próximo (Mateus 5,38-48).
2. Diz a conhecida «Lei de talião» – do latim talio, talis [tal,
igual] ouius talionis [lei do corte ou contusão] –, assim formulada
no Livro do Êxodo: «vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão,
pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão»
(Êxodo 21,24-25). Formulação semelhante desta Lei já se encontra, de resto, nos
parágrafos 196 e 197 do famoso código de Hammurabi, que remonta mais ou menos a
1700 anos antes de Cristo. E, ao contrário do que se diz habitualmente, esta
Lei não representa a barbaridade, mas um avanço civilizacional, pois assenta,
não na multiplicação desenfreada da vingança e da violência, mas na sua
contenção, pois condena o agressor a receber apenas a sanção igual àquela que
ele provocou à vítima.
3. Bem diferente é a chamada Lei da vingança
desenfreada, traduzida, por exemplo, no famoso «Cântico da espada» de Lamec,
que se expressa assim no Livro do Génesis: «Eu matei um homem por uma ferida,
uma criança por uma contusão. Sim, Caim é vingado sete vezes, mas Lamec setenta
e sete vezes!» (Génesis 4,23-24). O que se vê aqui é que Lamec respira uma
vingança irracional, um ódio irracional. O que ouvimos nas alturas da Montanha
é que Jesus respira e ensina um amor irracional, até ao paradoxo, ao absurdo e
à estupidez, dissolvendo completamente os ódios, vinganças e violências do
«Cântico de Lamec», mas ultrapassando também a fria simetria da «Lei de talião».
«Ouvistes o que foi dito: “Olho por olho, dente por dente”. Porém, eu digo-vos:
“Não resistais ao homem mau. Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe
também a esquerda; se alguém te levar ao tribunal para ficar com a tua túnica,
oferece-lhe também o manto; se alguém te forçar a acompanhá-lo durante 5 km,
acompanha-o durante 10 km!”» (Mateus 5,38-41). Oh sublime ciência das alturas!
4. E Jesus continua em alta sintonia, altíssima
alegria, altíssimo amor, estendendo o amor para além dos círculos restritos das
nossas simpatias, até aos nossos próprios inimigos! Amor assimétrico, que Jesus
ensina agora nas alturas, mas que praticará e ensinará até à Cruz! Ele leva até
ao alto do Monte das Bem-Aventuranças e até ao alto do Calvário os nossos ódios
desenfreados e a nossa fria justiça distributiva, e restitui-nos em troca o
perdão excessivo e o amor transbordante.
5. Ao tempo de Jesus, o panorama do judaísmo
palestinense era dominado por duas escolas: a escola conservadora e rigorista
de Shammai e a escola liberal de Hillel. Conta-se que, um dia, um homem se terá
apresentado na escola de Shammai, e fez ao mestre um estranho pedido: «quero
que, enquanto eu me mantiver apenas com um pé no chão, tu me expliques toda a
Lei». Diz-se que Shammai se limitou a pegar na sua vara de mestre e a correr o
homem pela porta fora, pois era óbvio que o homem fazia um pedido impossível de
cumprir, tal era a vastidão da Lei. Mas o homem não desanimou e dirigiu-se à
escola de Hillel, a quem formulou o mesmo pedido. E Hillel terá respondido de
pronto: «Nada mais fácil: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a
ti!”».
6. A esta sentença de Hillel, na sua formulação
negativa, deu-se o nome de «regra de ouro». Em boa verdade, ela já aparece no
Livro de Tobias 4,15. É, todavia, fácil de verificar, que esta sentença é de
fácil cumprimento. Dado que o seu teor é negativo, para a cumprir, basta a
alguém cruzar os braços e nada fazer. Procedendo assim, nada fará de
inconveniente a ninguém, cumprindo assim escrupulosamente a sentença formulada.
7. Tentando talvez evitar a inacção acoitada na
formulação negativa anterior, os Evangelhos apresentam desta máxima uma
formulação positiva: «Faz aos outros o que queres que te façam ti!» (Mateus
7,12; Lucas 6,31). Levando a sério esta formulação, já não é suficiente jogar à
defesa e nada fazer, mas é, de facto, requerido o fazer. Seja como for, as duas
formulações apresentadas, quer a negativa quer a positiva, padecem do mesmo
vício: sou eu o centro, é à minha volta que tudo roda, e o que eu faço ou deixo
de fazer é com o objectivo claro de que me seja retribuído outro tanto!
8. O tom positivo da referida «regra de
ouro» recebe ainda outra bem conhecida formulação: «Ama o teu próximo como a ti
mesmo!», que atravessa a inteira Escritura: Levítico 19,18; Mateus 22,39;
Romanos 13,9; Gálatas 5,14; Tiago 2,8. Mas também esta formulação é perigosa:
primeiro, porque eu continuo o ser o centro, sendo eu a medida do amor devido
aos outros; segundo, porque, se alguém não se ama a si mesmo (e são,
infelizmente, cada vez mais os casos!), como poderá cumprir devidamente esta
máxima?
9. É aqui que cai, como uma lâmina, a força do
Evangelho que sai dos lábios de Jesus: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos
amei!» (João 13,34). Aqui, a medida não sou eu. Aqui, a medida é Jesus, o das
alturas, o do alto das montanhas. Aqui, a medida é sem medida! Aqui, o amor não
é interesseiro. Aqui, o amor é puro, radical, incondicional, assimétrico, sem
retorno. Aqui, o amor é até ao fim! Oh sublime ciência das alturas!
D. António Couto, in Mesa de Palavras
Sem comentários:
Enviar um comentário