24 fevereiro, 2013

QUARESMA NÃO É FICAR AQUI, NO PENÚLTIMO



1. Baptizado no Jordão enquanto estava em oração (nota típica de Lucas), tentado, mas Vitorioso, Jesus começou a executar o seu programa filial baptismal que tem por meta a Cruz Gloriosa (Baptismo consumado!) em que nós somos por Ele baptizados com o fogo e com o Espírito Santo (ainda o luminoso texto de Lc 12,49-50). Entre o Jordão e a Cruz Gloriosa aí está Hoje a Transfiguração, Luz incriada e inacessível (Lc 9,29; cf. S1 104,2; 1 Tm 6,16) que investe aHumanidade de Jesus, experiência momentânea da Ressurreição, mediante a qual o Pai confirma o Filho na sua missão filial baptismal, já iniciada, mas ainda não consumada. Também aqui temos a nota típica de Lucas de que Jesus subiu ao monte para orar, acontecendo a Transfiguração do Rosto e das vestes enquanto orava (9,28).
 2. Baptizado para a Cruz Gloriosa, Confirmado para a Cruz Gloriosa. As mesmas palavras do Pai no Baptismo e na Transfiguração /Confirmação: «o Filho Meu», «o Amado» – «o Eleito» (Lc 3,22; 9,35), agora seguidas pelo imperativo «Escutai-o!», dirigido a todos os discípulos: Jesus é também o «Profeta novo», como Moisés, prometido em Dt 18,15-18. Como dispunha a Lei antiga, que requeria duas ou três testemunhas (Dt 17,6), testemunham a cena grandiosa da Transfiguração / Confirmação três discípulos, os quais são igualmentetransfigurados / confirmados, não no Rosto e nas vestes, mas no coração, para a sua missão futura (após a Ressurreição com a dádiva do Espírito) de dar testemunho d’Ele.
 3. Aparecem Moisés e Elias que falam com Jesus Transfigurado / Ressuscitado. É para Ele que aponta todo o Antigo Testamento! As «Escrituras», Moisés, todos os profetas e os Salmos, falam acerca d’Ele! (Lc 24,27 e 44; Jo 5,39 e 46; Act 10,43). É o «segundo as Escrituras» que os discípulos também devem testemunhar. Só em Lucas temos o assunto falado: «falavam do Êxodo d’Ele que se consumaria em Jerusalém!» (9,31). Passagem deste mundo para o Pai, Liberdade definitiva, cumprimento do Êxodo antigo!
 4. Pedro, sempre ele, em nome dos discípulos de então e de sempre, tenta impedir Jesus de prosseguir a sua missão filial baptismal até à Cruz: «Mestre, belo é estarmos aqui e fazermos aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias» (Lc 9,33). Aqui significa deter-se no penúltimo e provisório e recusar caminhar para o último e definitivo! Lc 9,33 (e Mc 9,6) anotam correctamente que «não sabia o que dizia». Não sabia, porque ainda não tinha sido baptizado com o Espírito Santo e com o fogo; quando o for, saberá também ele, discípulo fiel, baptizado / confirmado, levar por diante a missão filial baptismal em que foi investido, e dará testemunho até ao sangue.
 5. A Ressurreição é a Transfiguração tornada permanente, eterna. Todos os baptizados / confirmados estão destinados à mesma Ressurreição / Transfiguração da Humanidade do Senhor, a divinização por graça.
 6. Em consonância com a manifestação de Luz do Evangelho da Transfiguração (Lc 9,28-36), aí está o Lume Aceso, que é Deus, a passar pelo nosso mundo (Gn 15,5-12 e 17-18). Abraão representa-nos. Tem dúvidas. Deus dissipa-lhas, comprometendo-se com ele e connosco. O ritual que sela este compromisso é antigo, mas ainda hoje se pratica entre os beduínos. Cortam-se ao meio animais puros, e põe-se uma metade diante da outra. A seguir os contraentes passam entre as carnes divididas dos animais, proferindo uma auto-maldição, do género: «Suceda-me o que sucedeu a estes animais, se eu não for fiel à palavra dada!». Note-se que, no texto de hoje, caiu sobre Abraão (e nós com ele) um sono profundo, dom de Deus (veja-se o mesmo sono no Evangelho de hoje: Lucas 9,32), e é só Deus, no fogo, que passa por entre as carnes divididas dos animais. Só Ele, portanto, se compromete. Nós, ensonados e ensonhados, somos apenas beneficiários deste compromisso de Deus de levar a nossa história em direcção a Cristo, que é a verdadeira descendência de Abraão (Gl 3,16), que Abraão vê e saúda de longe (Hb 11,13), cheio de alegria (Jo 8,56). A meta de Abraão torna-se clara e define e alumia a estrada que segue. Por isso, Abraão não se despede do passado, e faz ao futuro um aceno de esperança e de alegria. É tão simples, tão novo e tão decidido este sono / sonho dado a Abraão, a Pedro, João e Tiago! Talvez devamos mesmo seguir o conselho de Isaías, o profeta: «Olhai para Abraão, vosso Pai» (Is 51,2). E partir com ele daqui, do penúltimo e provisório, ao encontro de Cristo Transfigurado / Ressuscitado.
 7. A Carta de Paulo aos Filipenses (3,17-4,1) põe outra vez tudo às claras: ou agarrados aqui ao penúltimo e provisório, ou a caminho do último, da cidade dada por Deus aos seus filhos e filhas, vida nova e transfigurada e conformada à Humanidade glorificada de Cristo.
 8. A Quaresma é esta estrada de Luz e de Jesus.
D. António Couto, In Mesa de Palavras

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