30 março, 2013

«A amigos muito queridos»




«Por nada vos deixeis inquietar; pelo contrário: em tudo, pela oração e pela prece, apresentai os vossos pedidos a Deus em acções de graças. Então, a paz de Deus, que ultrapassa toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus. De resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é respeitável, tudo o que possa ser virtude e mereça louvor, tende isso em mente. E o que aprendestes e recebestes, ouvistes de mim e vistes em mim, ponde isso em prática. Então, o Deus da paz estará convosco» (Fl 4,6-9).

Enquadramento e contexto

A passagem escolhida para beber na torrente da Bíblia é uma passagem da carta aos Filipenses. É já a parte final da carta e apresenta um leque de recomendações, destinadas a recordar aos filipenses algumas obrigações que resultam do seu compromisso com Cristo e com o Evangelho. Quando se põe a escrever a estes cristãos da cidade grega de Filipos, o apóstolo encontra-se preso (em Éfeso?), sem saber o que o futuro imediato lhe reserva.

Ensinamento

Os primeiros dois versículos do nosso texto (vv. 6-7) fazem parte de uma passagem mais longa, na qual o apóstolo aconselha aos cristãos de Filipos que vivam na alegria (vv. 4-7). Esta “alegria” não se confunde com gargalhadas histéricas ou com optimismos inconscientes; mas é a “alegria” que brota de uma vida de união com o Senhor, com tudo o que isso significa em termos de garantia de vida verdadeira e eterna. O cristão vive na alegria, pois a união com Cristo garante-lhe o acesso próximo (“o Senhor está próximo”) à vida plena. Daí desponta a serenidade, a paz, a tranquilidade, que permitem ao crente agarrar a vida sem medo e sentir-se seguro nos braços amorosos de Deus Pai (v. 6a). Ao crente, resta cultivar a união com Deus, entregando-Lhe diariamente a sua vida “com orações, súplicas e acções de graças” (v. 6b).
Depois (v. 8), Paulo sugere aos filipenses um conjunto de seis “qualidades” que eles devem desenvolver e apreciar: a verdade, a nobreza, a justiça, a pureza, a amabilidade e a boa reputação. Tudo isto é “virtude”, tudo isto é digno de louvor. Há quem olhe para este versículo como a “magna carta do humanismo cristão”. Estes valores não são tipicamente do Cristianismo: são valores sãos e louváveis, que fazem parte também do ideal pagão (eram valores igualmente tidos em conta pelos moralistas gregos da época). No entanto, a comunidade cristã deve estar receptiva ao acolhimento de todos os verdadeiros valores humanos. Os cristãos devem ser, antes de mais, arautos e testemunhas dos verdadeiros valores humanos.
Finalmente, o apóstolo exorta os filipenses a porem em prática estas recomendações segundo o exemplo que dele receberam (v. 9). O cristão tem de viver os valores humanos em confronto constante com o Evangelho e na fidelidade ao Evangelho. Às vezes, para não dizer muitas vezes, eles esquecem-se disso mesmo.

Acolher o ensinamento

As palavras de Paulo à comunidade de Filipos traçam alguns dos elementos concretos que devem marcar a nossa caminhada como discípulos do Senhor. Lendo e meditando o texto com atenção, somos capazes de reparar que o apóstolo convida os crentes a não viverem inquietos e preocupados. Os cristãos estão “enxertados” em Cristo e têm a garantia de com Ele ressuscitar para a vida plena. Eles sabem que as dificuldades, os dramas, as perseguições, as incompreensões são apenas acidentes de percurso, que não conseguirão arredá-los da vida verdadeira. Os discípulos de Cristo não são pessoas fracassadas, alienadas, falhadas, mas pessoas com um objectivo final bem definido e bem sugestivo. O caminho de Cristo é um caminho de dom e de entrega da vida; mas não é um caminho de tristeza e de frustração. Porquê, então, a tristeza, a inquietação, o desânimo com que, tantas vezes, enfrentamos as vicissitudes e as dificuldades da nossa caminhada? Os irmãos que nos rodeiam e que nos olham nos olhos recebem de nós um testemunho de paz, de serenidade, de tranquilidade?
Depois, Paulo convida os crentes a terem em conta, na sua vida, esses valores humanos que todos os homens apreciam e amam: a verdade, a justiça, a honradez, a amabilidade, a tolerância, a integridade… Um cristão tem de ser, antes de mais, uma pessoa íntegra, verdadeira, leal, honesta, responsável, coerente. Ouvimos, algumas vezes, dizer que “os que vão à Igreja são piores do que os outros”. Em parte, a expressão serve, sobretudo, a muitos dos chamados “cristãos não-praticantes” para justificar o facto de não irem à Igreja; mas não traduzirá, algumas vezes, o mau testemunho que alguns cristãos dão quanto à vivência dos valores humanos?

Orar com o ensinamento

Senhor, à primeira vista, impressiona-me como Paulo propôs aos seus cristãos os mesmos valores que constavam das listas de valores dos moralistas gregos da sua época… Mas, depois, descubro nessa proposta um convite da tua parte a reflectir sobre a nossa relação com os valores do mundo que nos rodeia e sobre a forma como os aceitamos e integramos na nossa vida. De facto, não nos podemos esconder atrás da nossa muralha fortificada e rejeitar, em bloco, tudo aquilo que o mundo de hoje nos proporciona, como se fosse algo de mau e pecaminoso. O mundo em que vivemos, tanto quanto me permites contemplar e saborear, tem valores muito bonitos e sugestivos, que nos ajudam a crescer de uma forma sã e equilibrada e a integrar uma realidade rica em desafios e esperanças. O que é necessário - e para isso te peço ajuda - é saber discernir, de entre todos os valores que o mundo nos apresenta, aquilo que nos torna mais livres e mais felizes e aquilo que nos torna mais escravos e infelizes, aquilo que não belisca a nossa fé e aquilo que ameaça a essência do Evangelho!…

Pe. Vasco

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