Miserável, segundo o dicionário, é aquele que vive na miséria, que é muito
pobre e que inspira desprezo ou que desperta compaixão.
“Os Miseráveis” amplia(m) todos estes conceitos ao plural. No filme também!
“Look down, look down” cantam os prisioneiros em uníssono no princípio,
quase que a convidar-nos a “descer” à miséria.
A história alarga-se por várias décadas e assistimos sobretudo aos
acontecimentos no intervalo de 1815 a 1832. Na realidade somos transportados
para uma França que sente os efeitos da Revolução de 1789 e deixa transparecer
a marca da estratificação social e da crise de valores. Uma França cujo sistema
legal condena um indivíduo que, vivendo na miséria, rouba pão para alimentar a
família, confirmando-nos a ideia já há muito profetizada por Ortega y Gasset :
“Nós somos nós e as nossas circunstâncias”.
Jean Valjean cumpriu pena de 19 anos por este crime e quando libertado
comprova o rótulo que lhe atribuíram, voltando a roubar para sobreviver. Mas,
quando experimenta a compaixão de um Bispo que o acolhe numa sociedade muito
afastada da “liberdade, igualdade e fraternidade”, deixa-se perdoar e abraça o
caminho da conversão. E é nestas circunstâncias que sobressaem um conjunto de
mudanças comportamentais. “Quem sou eu?” diz-nos a dada altura Jean Valjean.
É dentro da temática dos valores morais, susceptíveis de nos guiarem, de se
renovarem, que vemos várias histórias cruzadas e transversais, vários caminhos
possíveis e também o nosso:
Será o nosso caminho o mesmo que Valjean escolheu e seguiu, proferido por
ele já às portas da morte: “Amar outra pessoa é ver a face de Deus”?
Será que nos deixamos sucumbir de cada vez que a esperança nos desilude,
como a Fantine?
Será que somos capazes de ir além das nossas circunstâncias, como Éponine,
que nos revela um amor gratuito e sem interesse, apesar de uma educação num
ambiente hostil e interesseiro?
Seremos nós também capazes de renunciar às origens pelo sentido de justiça
e liberdade, como Marius?
Será que estaremos condenados (e é mesmo isso, condenados!) a pensar como
Javert, quando diz: “Homens como tu não mudam”?
Podemos viver vidas difíceis, mas o espírito humano é mais forte do que
qualquer outra coisa. E é possível continuar sempre a sonhar, como Fantine, que
“o Senhor é piedoso” e (acrescento) os “homens misericordiosos”, e como todas
as outras personagens “Depois da barricada há um Mundo a ver”. Na luta Ele dá
força e acompanha!
É que às vezes a única coisa a que nos podemos comprometer é a isso mesmo:
a estar lá na miséria e no sofrimento. E isso de miserável nada tem!
Maria Inês Goucha, in http://www.essejota.net/index.php?b=home
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