Longe vá o agoiro, mas já ouvi dizer algumas vezes que
ainda há-de rebentar uma grande guerra mundial por causa da falta de água. Isso
seria uma grande seca! Se visitarmos os textos bíblicos, por exemplo Ex 17- 3-7
(1ª leitura), topamos logo com um sururu dos diabos por causa da falta de água.
Quando o povo saiu do Egito (onde era escravo) para voltar à sua terra (a
liberdade) não faltaram cânticos festivos e gritos de alegria. Moisés era o
maior! Geralmente ao princípio de qualquer coisa é sempre assim: muita
esperança, muita confiança, e tudo a correr às mil maravilhas. Durante o
caminho, começa a faltar isto e aquilo, o cansaço espreita, a voz já não quer cantar,
surge o deserto. O alforge só tem migalhas e o cantil as últimas gotas de água.
É deserto, é secura, é provação, é dúvida, é tentação e discussão (Massa e
Meriba). E ali está o povo, ali está o homem, ali estou eu! Mas, sobretudo, ali
está a sede. Na verdade, não consigo ficar de fora da história do povo (de
Deus). Aí surge a altercação com Moisés: Tiraste-nos do Egito «para nos
deixares morrer à sede»? E pouco faltou para o apedrejarem. Mas Deus também não
escapou à dúvida sobre a Sua fidelidade: «O Senhor está ou não no meio de nós»?
Como é que Deus reage à ingratidão do Povo? Com uma «paciência divina». Ainda
bem que de um Rochedo (símbolo de Cristo) jorrou água. Deus deu a água, o povo
bebeu e continuou o seu caminho, confiado no Senhor, esquecendo a terra de
escravidão e os seus ídolos. Com este povo – o de Deus – quero hoje cantar:
«Senhor, nós temos fome. Senhor, nós temos sede. Não é fome de pão, não é sede
de água, são razões de viver o que nos falta»! Contudo, ao contrário do texto
bíblico, direi: «Não porei Deus à prova». Antes, reconheço que fui baptizado na
água e no Espírito Santo para continuar a abandonar a «terra da escravidão» e viver
na liberdade dos filhos de Deus.
O Evangelho (Jo 4, 5-42) fala-nos do poço de Jacob, da
samaritana e de Jesus. A conversa junto ao poço revelou Jesus como sendo a
«Água viva» e transformou a arrogância da samaritana em súplica ardente:
«Senhor, dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede». Queria sublinhar a
importância do diálogo com Jesus, que poderíamos chamar oração, ou seja, «estar
com Quem sabemos que nos ama». É interessante notar como, de pergunta em
pergunta, a samaritana descobriu a pessoa de Cristo: No começo, Ele era somente
um viajante judeu (V. 9), depois
transformou-se em senhor (v. 11);
depois, é um profeta (v. 19); em
seguida, é o Messias (vv. 25-26); por
fim, juntamente com os samaritanos, proclama-O Salvador do mundo (v. 42). Hoje fiquei pasmado e encantado com
decisão da samaritana: deixou a bilha (o cântaro ou caneco) junto ao poço e
correu à cidade (Sicar) para dizer aos seus o que lhe tinha acontecido. E eles
vieram ter com Jesus. O «cântaro» significa e representa aquilo que nos dá
acesso às propostas limitadas, falíveis, incompletas de felicidade, ou seja, à
água com a qual se volta a ter sede. O abandono do «cântaro» significa romper
com todos os esquemas de felicidade egoísta para abraçar a verdadeira proposta
de vida. Deixar o cântaro (segurança) é abrir o meu coração à novidade de Deus.
Nesta caminhada espiritual para a Páscoa, quero renovar
hoje a minha pertença ao povo de Deus (os baptizados). Quero colocar-me ao lado
de S. Paulo para continuar a afirmar que «a esperança não engana, porque o amor
de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado»
(2ª leitura – Rm 5, 1-2.5-8).
Santa
Teresa de Jesus escreve no Livro da Vida
(30, 19): «Na minha casa havia um quadro da samaritana com Jesus junto ao poço
onde se lia: Senhor, dá-me dessa água! Suplicava muitas vezes ao Senhor
que me desse daquela água». Eu faço hoje o mesmo pedido, dizendo: Senhor, não
permitas que eu feche o meu coração – o meu verdadeiro cântaro – à vossa voz, a
fim de não andar por aí a vender água sem caneco.
Agostinho
Leal, ocd
Sem comentários:
Enviar um comentário