23 março, 2014

TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA: UMA QUESTÃO DE ÁGUA!


Longe vá o agoiro, mas já ouvi dizer algumas vezes que ainda há-de rebentar uma grande guerra mundial por causa da falta de água. Isso seria uma grande seca! Se visitarmos os textos bíblicos, por exemplo Ex 17- 3-7 (1ª leitura), topamos logo com um sururu dos diabos por causa da falta de água. Quando o povo saiu do Egito (onde era escravo) para voltar à sua terra (a liberdade) não faltaram cânticos festivos e gritos de alegria. Moisés era o maior! Geralmente ao princípio de qualquer coisa é sempre assim: muita esperança, muita confiança, e tudo a correr às mil maravilhas. Durante o caminho, começa a faltar isto e aquilo, o cansaço espreita, a voz já não quer cantar, surge o deserto. O alforge só tem migalhas e o cantil as últimas gotas de água. É deserto, é secura, é provação, é dúvida, é tentação e discussão (Massa e Meriba). E ali está o povo, ali está o homem, ali estou eu! Mas, sobretudo, ali está a sede. Na verdade, não consigo ficar de fora da história do povo (de Deus). Aí surge a altercação com Moisés: Tiraste-nos do Egito «para nos deixares morrer à sede»? E pouco faltou para o apedrejarem. Mas Deus também não escapou à dúvida sobre a Sua fidelidade: «O Senhor está ou não no meio de nós»? Como é que Deus reage à ingratidão do Povo? Com uma «paciência divina». Ainda bem que de um Rochedo (símbolo de Cristo) jorrou água. Deus deu a água, o povo bebeu e continuou o seu caminho, confiado no Senhor, esquecendo a terra de escravidão e os seus ídolos. Com este povo – o de Deus – quero hoje cantar: «Senhor, nós temos fome. Senhor, nós temos sede. Não é fome de pão, não é sede de água, são razões de viver o que nos falta»! Contudo, ao contrário do texto bíblico, direi: «Não porei Deus à prova». Antes, reconheço que fui baptizado na água e no Espírito Santo para continuar a abandonar a «terra da escravidão» e viver na liberdade dos filhos de Deus.

O Evangelho (Jo 4, 5-42) fala-nos do poço de Jacob, da samaritana e de Jesus. A conversa junto ao poço revelou Jesus como sendo a «Água viva» e transformou a arrogância da samaritana em súplica ardente: «Senhor, dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede». Queria sublinhar a importância do diálogo com Jesus, que poderíamos chamar oração, ou seja, «estar com Quem sabemos que nos ama». É interessante notar como, de pergunta em pergunta, a samaritana descobriu a pessoa de Cristo: No começo, Ele era somente um viajante judeu (V. 9), depois transformou-se em senhor (v. 11); depois, é um profeta (v. 19); em seguida, é o Messias (vv. 25-26); por fim, juntamente com os samaritanos, proclama-O Salvador do mundo (v. 42). Hoje fiquei pasmado e encantado com decisão da samaritana: deixou a bilha (o cântaro ou caneco) junto ao poço e correu à cidade (Sicar) para dizer aos seus o que lhe tinha acontecido. E eles vieram ter com Jesus. O «cântaro» significa e representa aquilo que nos dá acesso às propostas limitadas, falíveis, incompletas de felicidade, ou seja, à água com a qual se volta a ter sede. O abandono do «cântaro» significa romper com todos os esquemas de felicidade egoísta para abraçar a verdadeira proposta de vida. Deixar o cântaro (segurança) é abrir o meu coração à novidade de Deus.

Nesta caminhada espiritual para a Páscoa, quero renovar hoje a minha pertença ao povo de Deus (os baptizados). Quero colocar-me ao lado de S. Paulo para continuar a afirmar que «a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (2ª leitura – Rm 5, 1-2.5-8).

Santa Teresa de Jesus escreve no Livro da Vida (30, 19): «Na minha casa havia um quadro da samaritana com Jesus junto ao poço onde se lia: Senhor, dá-me dessa água! Suplicava muitas vezes ao Senhor que me desse daquela água». Eu faço hoje o mesmo pedido, dizendo: Senhor, não permitas que eu feche o meu coração – o meu verdadeiro cântaro – à vossa voz, a fim de não andar por aí a vender água sem caneco.


Agostinho Leal, ocd

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