24 dezembro, 2012

S. João da Cruz e o Natal



É natural que, nesta quadra natalícia, nos perguntemos pelo modo como os nossos fundadores celebravam a festa do Nascimento de Jesus. Qualquer carmelita sabe que Teresa de Jesus e João da Cruz modernamente são contados entre aqueles santos que mais contribuíram para difundir a devoção ao Menino de Belém. Também, quem é próximo ao Carmelo, sabe que nestes conventos, ou castelos onde Deus mora, a marca da casa é a humildade, a oração e a alegria. Dizia Teresa: “Tristeza e melancolia não as quero em minha casa”. E João da Cruz arrematava: “Neste estado de vida tão perfeita, a alma anda sempre, interior e exteriormente, como de festa; no paladar do seu espírito traz frequentemente um grande júbilo de Deus, uma espécie de canto novo, que é sempre novo, envolto em alegria e amor” (Ch 2, 36).

Deixo aqui um breve lamiré sobre o modo de S. João da Cruz celebrar o Natal. Convém lembrar, já de entrada, que o mistério de Cristo – o Amado e o Esposo – é central na sua vida. Por isso, meditou, contemplou e cantou a gloriosa humanidade de Cristo: “Na qual a Suma Trindade/de carne o Verbo vestia. E embora de três a obra,/somente num se fazia;/ficou o Verbo encarnado/ em o ventre de Maria. E o que tinha apenas Pai,/também já Mãe possuía” (Romance In principio…, nº 8). O mistério da encarnação – o Natal – é, juntamente com o mistério da redenção, obra maior, em comparação com a criação e as criaturas (obras menores). A encarnação é obra excelsa na qual o Pai mais reparou e se deleitou. Belém é o tálamo do abraço de amor eterno entre o céu e a terra. 

Segundo a Ir. Maria da Paz, João da Cruz “amava muito a nosso Senhor e andava sempre em oração, agradando a Deus, e isso notava-se-lhe porque o seu rosto acomodava-se às festas”. Esta testemunha estava persuadida de que, conforme às festas, assim trazia o seu afeto em Deus. “Se era natal, denunciava ternura” (BMC 14, 45). Foi atendendo a esta testemunha que Juan Vicente Rodriguez batizou João da Cruz como “o homem do tempo litúrgico”.

Era nas festas de Natal que João da Cruz mais se extasiava. Em Baeza, Granada e Segóvia animava a sua comunidade com versos, cantos e pequenas representações teatrais que entretinham e enterneciam os seus frades. Frei João de Santa Eufémia, o cozinheiro da comunidade de Baeza, diz que “na noite de Natal, o dito frei João da Cruz fez que dois dos seus religiosos, representando Nossa Senhora e S. José, andassem pelo claustro do convento a pedir pousada. E daquilo que diziam estes dois frades, João da Cruz tirava pensamentos divinos que partilhava para grande consolação dos religiosos… E, quando estas festas se celebravam na igreja, o povo ficava muito edificado e cheio de devoção” (BMC 14, 25). Também em Granada, segundo Alonso da Mãe de Deus, frei João “colocou a mãe de Deus num andor, e, posta aos ombros, acompanhada por este servo do Senhor e pelos religiosos que a seguiam pelo claustro, batiam às portas que nele havia a pedir pousada para aquela Senhora em horta de parto e seu marido. Chegados à primeira porta cantaram esta letra que o santo compôs: Do Verbo divino/ a Virgem prenhada/ lá vem a caminho./ Dar-lhe-eis pousada? Esta letra foi-se repetindo de porta em porta. Lá dentro, o santo tinha colocado religiosos que respondiam secamente. João da Cruz respondia-lhes dizendo quem eram os hóspedes, do tempo que fazia e da importância daquela hora. O ardor das suas palavras e das maravilhas que apresentava enternecia o coração de quantos o ouviam e nas suas almas ficava impresso este mistério e um grande amor a Deus”. Gabriel da Mãe de Deus, o velho sacristão do convento, descreve uma procissão idêntica que entrava na igreja à meia-noite. Ao lado do ambão estava montado o presépio – feito de ramos, palha e terra – onde não faltava a mula e o boi, bem como a imagem de S. José. Ao chegar punha-se a Virgem Maria na gruta. Todos adoraram o Menino recém-nascido. Era tal o realismo com que se fazia a celebração “que não parecia representação de uma coisa passada, mas tal acontecimento via-se presente, como se acontecesse naquele instante diante dos seus olhos” (Jerónimo, História, lib 4, c. 11, 427-428). Este mesmo documento histórico relata o momento em que frei João da Cruz, estando afalar aos seus frades sobre a riqueza do amor de Deus feito Menino, sentindo um impulso irreprimível, dirigiu-se a uma mesa onde estava uma imagem do Menino Jesus que recebia todas as alegrias daquele tempo litúrgico, pegou nela nos braços e começou a dançar com toda a arte e fervor. A letra que acompanhava a sua dança dizia: “Meu doce e terno Jesus,/ se amores me hão-de matar,/ agora tenham lugar”.

Ó carmelitas, haja alegria, dancemos, bailemos, porque Jesus nasceu para nos salvar. Abramos a pousada da nossa alma a José e a Maria, porque, no seu seio, trazem-nos o Menino Deus, o Redentor. Feliz Natal!

Agostinho Leal, ocd

1 comentário:

  1. R EN FORMA MAS REAL ESTE SALVIFICO Y TIERNO ACONTECIMIENTO DE NATAL, GRACIAS PADRE LEAL .

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