21 fevereiro, 2013

Benditos remendos do alcatrão!


Foi Domingo, pelas 20 horas, que tudo começou. Regressava a casa, no assento do co-piloto (reconheço que vinha a dormitar!), juntamente com os meus irmãos depois de uma actividade juvenil em Fátima. De repetente, o carro estremece todo e eu, também sacudido, acordo total e finalmente e digo: "É por isto que Portugal não vai para a frente: em vez de colocarem o piso todo de novo, já fizeram mais um remendo! Gastam mais dinheiro em remendos do que em estradas!"
Tenho que reconhecer que não é (e, se calhar, não é a última!) que, num acesso de ira, me vem esta enxurrada de palavras à boca. 

Hoje, numa aula de Teologia da Vida religiosa, ao falarmos sobre o radicalismo evangélico, lêmos uma passagem bíblica que me fez voltar a Domingo:

" [Jesus] Disse-lhes [os fariseus e os doutores da Lei murmuravam por Jesus comer com os cobradores de impostos e com os pecadores em casa do neo-convertido Levi] também esta parábola: «Ninguém recorta um bocado de roupa nova para o deitar em roupa velha; aliás, irá estragar-se a roupa nova, e também à roupa velha não se ajustará bem o remendo que vem da nova. E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho novo rompe os odres e derrama-se, e os odres ficarão perdidos. Mas deve deitar-se vinho novo em odres novos. E ninguém, depois de ter bebido o velho, quer do novo, pois diz: 'O velho é que é bom!'»
(Lc 5, 36-39)

Bem, Jesus não falou de asfalto e remendos, mas a ideia é a mesma! Reconheço que foi a parte dos remendos que me sacudiu! E pôs-me a pensar:  nesta estrada que é a minha vida, o que é que ando a fazer: a remendar ou a alcatroar de novo? Não será que, em vez de  asfaltar de novo, ando pôr remendos na minha estrada, que me gastam mais recursos do que refazê-la de novo e, além disso, me fazem perder a estabilidade e a tranquilidade? Sim, pôr remendos é mais fácil, mas não é o melhor: e os nossos carros podem ser a prova disso mesmo! E são muitas as vezes que ponho remendos: um remendo aqui na caridade para com este, um remendo ali nos meus maus pensamentos, um remendo acolá na minha inveja! E não nos decidimos a refazer a estrada! E, chegando a um certo ponto, a nossa vida é apenas e só um conjunto de remendos, que estragam os carros e nos deixam com os cabelos em pé! Resolvamos definitivamente o problema, asfaltando de novo a nossa vida, criando um novo modo de ser, agindo não na superfície, mas na raiz do nosso ser! É verdade que dá mais trabalho, mas será a única maneira de chegarmos mais calma e tranquilamente ao destino.


Reconheço que a reflexão saiu um pouco desajeitada, como tudo o que é a experiência humana. E para que isto não seja uma "desajeitação total", dou a palavra ao Mestre João da Cruz, porque ele sabe dizer o que eu quero dizer melhor do que eu:


"A alma que há-de chegar à divina união há-de carecer
de todos os apetites voluntários;
quer sejam de pecado mortais, que são os mais graves; 
quer de pecado venial, que são os menos graves;
quer somente de imperfeições, que são as menores;
de todos se há-de esvaziar e de todos há-de a alma carecer 
para chegar a esta total união, por mínimos que sejam.

E a razão é porque o estado desta divina união 
consiste em ter a alma, quanto à vontade, 
com tal transformação na vontade de Deus, 
de forma a não haver nela coisa contrária à vontade de Deus,
mas que, em tudo e por tudo, 
o seu movimento seja somente vontade de Deus."

(1 S 11,2)

Na verdade, benditos buracos do alcatrão! Bem, a partir de agora, cada vez que for sacudido por um buraco do asfalto vou tentar não irromper numa enxurrada de palavras nem, muito menos, ir interromper a vida dos outros com a "Grândola Vila Morena", mas perguntar-me: 

ando a remendar ou a alcatroar? 


Fr. Renato.








Ah... e bom alcatroamento neste tempo da Quaresma!? :)


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