10 fevereiro, 2013

Vai e lança as redes.



No nosso itinerário de conhecimento e de seguimento de Jesus, este ano litúrgico orientados pelo Evangelho de Lucas, a Palavra de Deus dos últimos domingos apresenta-nos Jesus como Aquele em quem se cumpre as escrituras, anunciando boas notícias de salvação da parte do Pai a toda a humanidade, admirado pela sua sabedoria e inteligência por parte dos seus conterrâneos, mas simultaneamente e paradoxalmente incompreendido e alvo de inveja, por causa da sua linhagem familiar humilde: “não é Ele filho do carpinteiro?”. À mesquinhez dos seus, Jesus reage com a denúncia profética: “nenhum profeta é reconhecido na sua terra”! E sem medo, avança no meio deles para realizar o projeto que o Pai lhe confiou: anunciar o Reino. Hoje, vemos o mesmo Jesus, junto ao lago de Tiberíade, a convidar outros, a participar com Ele nesta missão de salvação que se iniciou na sinagoga de Nazaré.

O tema dominante que percorre os 3 textos da Palavra de Deus, é o da chamada: ––“A quem hei-de enviar?” ––. Deus continua a chamar ontem, hoje e sempre: Isaías, Pedro e Paulo… e cada um de nós. Nesta chamada há algo de comum a todos os humanos, um mesmo reconhecimento: a confissão da nossa humanidade frágil, perante a majestade e grandeza de Deus. A resposta de Deus ao reconhecimento da fragilidade, apesar de tudo é o chamamento e o envio, porque Ele quer servir-se da condição humana frágil para continuar a fazer ouvir a sua mensagem de libertação e realizar na história as suas maravilhas a favor da transformação do nosso mundo como espaço de encontro, reconciliação e solidariedade efetivas.

         A primeira leitura mostra-nos como Isaías –– que haveria de revelar-se como o profeta por excelência –– toma consciência do abismo que separa Deus da sua condição de criatura: “Ai de mim que estou perdido, pois sou um homem de lábios impuros”. No mais profundo do seu ser, Isaías percebeu até que ponto se encontrava dividido pelo medo, pela consciência dos seus limites e pela insegurança das suas competências para ser portador da palavra de Deus aos seus contemporâneos. Mas o reconhecimento dos seus limites não o levou a desistir a responder ao apelo de Deus –– “Quem enviarei, quem irá por mim?”–– , confiando na graça de Deus que pode contornar os nossos medos e inseguranças, dispôs-se a dar uma resposta generosa e desinteressada: “Aqui estou, podes enviar-me”.

         Na Segunda leitura confrontamo-nos com outro chamado e enviado, Paulo; embora reconheça “ser o menor de todos os apóstolos, nem sou digno de ser chamado apóstolo”, pela graça de Deus e não pelos seus méritos, é o que é, o grande pregador do anúncio do Evangelho aos pagãos.

         Finalmente, o evangelho apresenta-nos a cena tão bela, e sugestiva do chamamento dos primeiros discípulos, num contexto de desempenho da sua atividade profissional: a pesca, tendo como protagonista, Pedro, representando os seus colegas de profissão.

Pedro é um profissional na arte de pescar. Hábil no lançamento das redes e bom conhecedor dos mares; por isso, poderia ter achado absurda a ordem de Jesus de fazer-se ao largo e lançar as redes, após uma noite de trabalho sem sucesso. Mas Pedro é já um homem de fé, por isso obedece à ordem do Mestre, Jesus. E isto é o que melhor define a fé: confiança total numa pessoa. Face ao sucedido imprevisível, ao mistério, Pedro sente os seus limites e exclama: “afasta-te, Senhor, porque sou um homem pecador”. Mas Jesus anima, entusiasma, apoia e valoriza as qualidades e a auto-estima daqueles homens simples e lutadores: “Não temas, a partir de hoje serás pescador de homens.”... Quem se deixa tocar por Jesus, sente-se transformado, confiante, liberto, salvo e experimenta que se iniciou um novo processo de mudança na sua vida frágil. Esta experiência é tão gozosa que não se pode resistir, levando a atitudes de radicalidade: “e eles reconduzindo os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus”.

Esta é a história destes vocacionados e qual é a nossa história como vocacionados para o anúncio do evangelho? Damos espaço na nossa vida a Deus para ouvir as suas interpelações desafiantes e sentir-nos enviados à missão? A vocação cristã não é apenas chamamento de vocações de especiais como o sacerdócio e a vida religiosa. Deus não interpela apenas a colaboração de alguns, mas chama a todos, desde a nossa situação concreta de vida: estado de vida, profissão mais ou menos qualificada. A nossa resposta está na medida dos recursos que Deus nos concedeu e da nossa generosidade. A colaboração com Deus é sempre necessária onde quer que haja vida e existam problemas humanos urgentes a resolver.

         Cada um de nós está convidado a ser pescador de homens e somos enviados a uma parcela do reino onde nos encontramos como cristãos, onde somos insubstituíveis. Não há ninguém sem vocação para algo de bom e belo a realizar nos seus contextos de vida. A única condição é que cada um se sinta interpelado e seja capaz de responder com generosidade, com confiança, sem medos, disposto a deixar e a mudar o que for necessário para seguir Jesus. A proposta e o convite é desafiante, exigente e realizador. Como respondo, a este desafio atual: “quem enviarei...?”

         Cada um de nós é chamado a ser ou a realizar aquilo que nenhum outro é ou faz, e a cada um está reservado um lugar no mundo que ninguém mais ocupa. Para cumprir essa missão ou vocação requer-se o risco da fé confiante, a aventura da esperança e a força do amor que transforma e produz o milagre da surpresa e da abundância: ––“todos ficaram assombrados por causa da pesca realizada” ––, porque é Deus quem realiza, pela sua graça, o que nós não poderemos realizar através dos nossos recursos, porque cada um é o que é pela graça de Deus, que não é inútil mas operante e transformadora.
Pe. Carlos Gonçalves

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