No nosso itinerário de conhecimento e de seguimento de Jesus, este ano
litúrgico orientados pelo Evangelho de Lucas, a Palavra de Deus dos últimos
domingos apresenta-nos Jesus como Aquele em quem se cumpre as escrituras, anunciando
boas notícias de salvação da parte do Pai a toda a humanidade, admirado pela
sua sabedoria e inteligência por parte dos seus conterrâneos, mas
simultaneamente e paradoxalmente incompreendido e alvo de inveja, por causa da sua
linhagem familiar humilde: “não é Ele
filho do carpinteiro?”. À mesquinhez dos seus, Jesus reage com a denúncia
profética: “nenhum profeta é reconhecido na
sua terra”! E sem medo, avança no meio deles para realizar o projeto que o
Pai lhe confiou: anunciar o Reino. Hoje, vemos o mesmo Jesus, junto ao lago de Tiberíade,
a convidar outros, a participar com Ele nesta missão de salvação que se iniciou
na sinagoga de Nazaré.
O tema dominante que percorre os 3 textos da Palavra de Deus, é o da
chamada: ––“A quem hei-de enviar?” ––.
Deus continua a chamar ontem, hoje e sempre: Isaías, Pedro e Paulo… e cada um
de nós. Nesta chamada há algo de comum a todos os humanos, um mesmo
reconhecimento: a confissão da nossa humanidade frágil, perante a majestade e
grandeza de Deus. A resposta de Deus ao reconhecimento da fragilidade, apesar
de tudo é o chamamento e o envio, porque Ele quer servir-se da condição humana
frágil para continuar a fazer ouvir a sua mensagem de libertação e realizar na
história as suas maravilhas a favor da transformação do nosso mundo como espaço
de encontro, reconciliação e solidariedade efetivas.
A primeira leitura mostra-nos como
Isaías –– que haveria de revelar-se como o profeta por excelência –– toma
consciência do abismo que separa Deus da sua condição de criatura: “Ai de mim que estou perdido, pois sou um
homem de lábios impuros”. No mais profundo do seu ser, Isaías percebeu até
que ponto se encontrava dividido pelo medo, pela consciência dos seus limites e
pela insegurança das suas competências para ser portador da palavra de Deus aos
seus contemporâneos. Mas o reconhecimento dos seus limites não o levou a
desistir a responder ao apelo de Deus –– “Quem
enviarei, quem irá por mim?”–– , confiando na graça de Deus que pode
contornar os nossos medos e inseguranças, dispôs-se a dar uma resposta generosa
e desinteressada: “Aqui estou, podes
enviar-me”.
Na Segunda leitura confrontamo-nos com
outro chamado e enviado, Paulo; embora reconheça “ser o menor de todos os apóstolos, nem sou digno de ser chamado
apóstolo”, pela graça de Deus e não pelos seus méritos, é o que é, o grande
pregador do anúncio do Evangelho aos pagãos.
Finalmente, o evangelho apresenta-nos a
cena tão bela, e sugestiva do chamamento dos primeiros discípulos, num contexto
de desempenho da sua atividade profissional: a pesca, tendo como protagonista,
Pedro, representando os seus colegas de profissão.
Pedro é um
profissional na arte de pescar. Hábil no lançamento das redes e bom conhecedor
dos mares; por isso, poderia ter achado absurda a ordem de Jesus de fazer-se ao
largo e lançar as redes, após uma noite de trabalho sem sucesso. Mas Pedro é já
um homem de fé, por isso obedece à ordem do Mestre, Jesus. E isto é o que
melhor define a fé: confiança total numa pessoa. Face ao sucedido imprevisível,
ao mistério, Pedro sente os seus limites e exclama: “afasta-te, Senhor, porque sou um homem pecador”. Mas Jesus anima,
entusiasma, apoia e valoriza as qualidades e a auto-estima daqueles homens simples
e lutadores: “Não temas, a partir de hoje
serás pescador de homens.”... Quem se deixa tocar por Jesus, sente-se
transformado, confiante, liberto, salvo e experimenta que se iniciou um novo
processo de mudança na sua vida frágil. Esta experiência é tão gozosa que não
se pode resistir, levando a atitudes de radicalidade: “e eles reconduzindo os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram
Jesus”.
Esta é a história destes vocacionados e qual é a nossa história como
vocacionados para o anúncio do evangelho? Damos espaço na nossa vida a Deus
para ouvir as suas interpelações desafiantes e sentir-nos enviados à missão? A
vocação cristã não é apenas chamamento de vocações de especiais como o
sacerdócio e a vida religiosa. Deus não interpela apenas a colaboração de
alguns, mas chama a todos, desde a nossa situação concreta de vida: estado de
vida, profissão mais ou menos qualificada. A nossa resposta está na medida dos
recursos que Deus nos concedeu e da nossa generosidade. A colaboração com Deus
é sempre necessária onde quer que haja vida e existam problemas humanos
urgentes a resolver.
Cada um de nós está convidado a ser
pescador de homens e somos enviados a uma parcela do reino onde nos encontramos
como cristãos, onde somos insubstituíveis. Não há ninguém sem vocação para algo
de bom e belo a realizar nos seus contextos de vida. A única condição é que
cada um se sinta interpelado e seja capaz de responder com generosidade, com
confiança, sem medos, disposto a deixar e a mudar o que for necessário para
seguir Jesus. A proposta e o convite é desafiante, exigente e realizador. Como
respondo, a este desafio atual: “quem
enviarei...?”
Cada um de nós é
chamado a ser ou a realizar aquilo que nenhum outro é ou faz, e a cada um está
reservado um lugar no mundo que ninguém mais ocupa. Para cumprir essa missão ou
vocação requer-se o risco da fé confiante, a aventura da esperança e a força do
amor que transforma e produz o milagre da surpresa e da abundância: ––“todos ficaram assombrados por causa da pesca
realizada” ––, porque é Deus quem realiza, pela sua graça, o que nós não
poderemos realizar através dos nossos recursos, porque cada um é o que é pela
graça de Deus, que não é inútil mas operante e transformadora.
Pe. Carlos Gonçalves
Sem comentários:
Enviar um comentário