15 abril, 2013

Parábola de uma herança abençoada




O pai, velho e doente, pressentia a sua morte próxima e convocou ao seu leito os quatro filhos.
A minha vida está a terminar e Deus chama-me a deixar os meus bens. Sinto-me abençoado. Tive uma esposa que foi a alegria dos meus dias e a luz das minhas noites. E Deus presenteou-me com a melhor colheita que um lavrador como eu pôde sonhar: sois vós, os quatro filhos do meu amor e das minhas entranhas. Estou-lhe grato: só lhe posso estar grato. Vós sois a minha melhor herança.

As terras, que durante tantos anos semeámos, serão para ti, Amador. És o mais velho dos quatro irmãos e serás o dono da terra que contemplou os nossos passos, recebeu os nossos suores e nos ofereceu o alimento. Trata dela. Temos muitos motivos para confiar nela.

Mercês, o poço da alameda é para ti. Dele beberam os nossos avós e a sua generosidade fertilizou os nossos campos, lavou os nossos corpos e apagou a nossa sede. Não o deixes contaminar porque sem ele cairá sobre vós a morte da seca.

O arado é para ti, Vítor. Ele é obra dos nossos avós e o instrumento que tornou possível lavrar a terra. Sem o arado, os nossos passos teriam sido estéreis e inúteis o nosso suor. Graças a ele os nossos esforços produziram e a terra agradeceu os nossos cuidados. Ele é apenas um instrumento, mas é tão valioso que aliviará o teu cansaço e compensará o teu esforço.

Daniel, tu ficarás com as sementes que nos restam da última colheita. É verdade, não são muitas. Com elas amassamos o pão e foram o alimento necessário para as nossas vidas. Elas têm a qualidade do milagre porque são capazes de se multiplicarem quando caem à terra e nela apodrecem. Contudo, transformar-se-ão em pó se as puseres num pedestal de ouro. De ti depende o seu poder; não te esqueças.

O velho pai morreu e enterraram-no junto à árvore que ele próprio havia plantado no extremo da terra que trabalhou durante toda a sua vida.

O tempo avançava muito mais depressa do que se esperava. Os irmãos, cada um com a sua herança, sentiam que os dias passavam e a infelicidade aumentava. De vez em quando invadia-os a saudade e recordavam como tinham sido felizes nos tempos passados.

Amador possuía a terra mas já estava a monte. As silvas e os arbustos tinham-na invadido até se tornar intransitável. Mercês tinha água em abundância mas começava a cheirar mal. A água estancada converte-se em ameaça para ela mesma, tal como o ser humano parado.

Vitor conservava o seu arado, mas a falta de uso tinha-lhe aberto fendas e uma invasão de teias de aranha tinha-lhe desfigurado a sua imagem e o seu futuro.

Daniel tinha cada vez menos sementes. Estava agradecido por dispor de pão abundante, quente e fresco. Mas aquele monte de sementes que o pai lhe havia deixado era agora só um punhado quase a acabar.

Então perguntaram-se: porque é que o nosso pai dividiu e repartiu a quinta? O que é que o nosso pai faria se ainda vivesse connosco?

Pensando em conjunto, descobriram que unindo as suas forças e as suas riquezas, aquela terra voltaria a ser lavrada, semeada, regada e voltaria a dar alimento para todos. Puseram mãos à obra e sentiram que o seu pai vivia e trabalhava novamente com eles. Fez muito bem em repartir a sua quinta.

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