O pai, velho e doente, pressentia
a sua morte próxima e convocou ao seu leito os quatro filhos.
A minha vida está a terminar e
Deus chama-me a deixar os meus bens. Sinto-me abençoado. Tive uma esposa que
foi a alegria dos meus dias e a luz das minhas noites. E Deus presenteou-me com
a melhor colheita que um lavrador como eu pôde sonhar: sois vós, os quatro
filhos do meu amor e das minhas entranhas. Estou-lhe grato: só lhe posso estar
grato. Vós sois a minha melhor herança.
As terras, que durante tantos
anos semeámos, serão para ti, Amador. És o mais velho dos quatro irmãos e serás
o dono da terra que contemplou os nossos passos, recebeu os nossos suores e nos
ofereceu o alimento. Trata dela. Temos muitos motivos para confiar nela.
Mercês, o poço da alameda é para
ti. Dele beberam os nossos avós e a sua generosidade fertilizou os nossos
campos, lavou os nossos corpos e apagou a nossa sede. Não o deixes contaminar
porque sem ele cairá sobre vós a morte da seca.
O arado é para ti, Vítor. Ele é
obra dos nossos avós e o instrumento que tornou possível lavrar a terra. Sem o
arado, os nossos passos teriam sido estéreis e inúteis o nosso suor. Graças a
ele os nossos esforços produziram e a terra agradeceu os nossos cuidados. Ele é
apenas um instrumento, mas é tão valioso que aliviará o teu cansaço e
compensará o teu esforço.
Daniel, tu ficarás com as
sementes que nos restam da última colheita. É verdade, não são muitas. Com elas
amassamos o pão e foram o alimento necessário para as nossas vidas. Elas têm a
qualidade do milagre porque são capazes de se multiplicarem quando caem à terra
e nela apodrecem. Contudo, transformar-se-ão em pó se as puseres num pedestal
de ouro. De ti depende o seu poder; não te esqueças.
O velho pai morreu e
enterraram-no junto à árvore que ele próprio havia plantado no extremo da terra
que trabalhou durante toda a sua vida.
O tempo avançava muito mais
depressa do que se esperava. Os irmãos, cada um com a sua herança, sentiam que
os dias passavam e a infelicidade aumentava. De vez em quando invadia-os a
saudade e recordavam como tinham sido felizes nos tempos passados.
Amador possuía a terra mas já
estava a monte. As silvas e os arbustos tinham-na invadido até se tornar intransitável.
Mercês tinha água em abundância mas começava a cheirar mal. A água estancada
converte-se em ameaça para ela mesma, tal como o ser humano parado.
Vitor conservava o seu arado, mas
a falta de uso tinha-lhe aberto fendas e uma invasão de teias de aranha
tinha-lhe desfigurado a sua imagem e o seu futuro.
Daniel tinha cada vez menos
sementes. Estava agradecido por dispor de pão abundante, quente e fresco. Mas
aquele monte de sementes que o pai lhe havia deixado era agora só um punhado quase
a acabar.
Então perguntaram-se: porque é
que o nosso pai dividiu e repartiu a quinta? O que é que o nosso pai faria se
ainda vivesse connosco?
Pensando em conjunto, descobriram
que unindo as suas forças e as suas riquezas, aquela terra voltaria a ser
lavrada, semeada, regada e voltaria a dar alimento para todos. Puseram mãos à
obra e sentiram que o seu pai vivia e trabalhava novamente com eles. Fez muito
bem em repartir a sua quinta.
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