Apesar de este dia não
estar contemplado no calendário litúrgico da Ordem, nós, os carmelitas
descalços, não podemos esquecê-lo, porque foi neste dia, no ano de 1568, que S.
João da Cruz, primeiro carmelita descalço, juntamente com Frei António de Jesus
e Frei José de Cristo, iniciou na pobre, desconhecida e isolada aldeia de
Duruelo, a vida de carmelitas descalços que desde então a nossa família tem
vivido.
Meditemos no que nos
conta daqueles primeiros tempos a Santa Teresa de Jesus que visitou o local do
futuro convento e, mais tarde ali voltou, dizendo: «Eu tinha visto aquela
casita, que pouco antes nela não se podia viver, e via agora a simplicidade em
toda ela. Para onde quer que se olhasse, tinha eu muito com que me santificar.
E percebi na maneira como viviam os primeiros descalços, e com a mortificação e
a oração e o bom exemplo que davam, que se havia começado algo que muito
proveito daria à nossa Ordem no serviço a Nosso Senhor. E por isso, eu não me
cansava de dar graças a Nosso Senhor, com uma grandíssima alegria interior».
Nunca S. João da Cruz
revelou nada acerca daqueles tempos primeiros. Quando em Úbeda, estando já às
portas da morte, e a Madre Teresa já tinha entrado na Vida sem fim, foi
visitado por Frei António de Jesus, que lhe recordou aqueles tempos sossegados
que soavam a algo tão transcendental quanto indescritível, o Santo retorquiu:
«Recorde-me, Padre, os meus pecados e não isso». E Frei António, edificado,
respondeu renovando a descrição daqueles feitos nunca ditos, dos tempos do primeiro
convento da Ordem masculina, das pregações apostólicas, da oração e da vida
simples e serena do pequeno conventinho. Ao que o Santo, com visível embaraço,
perguntou: «Padre, não tínhamos dado a palavra, um ao outro, de nunca falarmos
disso?». Mas Frei António não podia conter os rios da alma, pois bem viam seus
olhos que o Santo se finava, pelo que, não se contendo, ia recordando
maravilhado e com saudade os pormenores daquela vida santa e sacrificada levada
em Duruelo, enquanto Deus lhe ia permitindo a companhia de tão santo homem, ao
que o S. João da Cruz rematou contrafeito e desconsolado: «ele vai, a pouco a
pouco, contar tudo!» João da Cruz não queria que alguém soubesse o que se tinha
passado, sofrido e vivido, nos tempos do pobre primeiro convento da Ordem, pois
como um dia disse: «Nas coisas que faço por Deus, não quero recompensa de
ninguém. Só d'Ele!»
Meditação
Leitura do Livro das
Fundações escrito pela Santa Madre Teresa de Jesus
«Saímos de manhã para
Duruelo, mas como não sabíamos o caminho perdemo-nos. E, sendo o lugar pouco
conhecido, ninguém sabia dar indicações precisas.
Quando entrámos na casa,
estava de tal maneira que não nos atrevemos a ficar ali naquela noite. Tinha um
portal razoável, uma sala, um sótão e uma pequena cozinha. Pensei que do portal
podia fazer-se a igreja, o sótão servia bem para o coro e a sala para dormir.
As minhas companheiras
diziam-me: «Madre, não há com certeza, homem, por santo que seja, que resista a
viver nesta casa».
Mas frei João da Cruz,
concordava com a pobreza da casa para convento. Combinámos, pois, que o padre
frei João da Cruz fosse acomodar a casa para poderem entrar. Tardou pouco o
arranjo da casa, porque ainda que se quisesse fazer muito, não havia dinheiro.
No primeiro domingo do
Advento deste ano de 1568 celebrou-se a primeira Missa naquele pequeno portal
de Belém. Chamo-lhe assim, porque não creio que fosse melhor que o presépio.
Os quartos tinham feno
por cama, porque o lugar era muito frio, e, pedras por cabeceira. Muitas vezes,
depois de rezarem levavam muita neve nos hábitos que neles caía pêlos buracos
do telhado.
Iam pregar a muitos
lugares próximos dali, o que me deixou muito contente. Iam descalços e com
muita neve e frio; porque no princípio, não usavam calçado, como mais tarde,
lhes mandaram.
Em tão pouco tempo,
alcançaram tanta estima das pessoas, que nunca lhes faltava alimentos, pois
traziam-lhes mais do que o necessário. Isto foi para mim grande consolo, quando
o soube.
Praza ao Senhor fazê-los
perseverar no caminho que agora começaram».
Oração
Senhor, nosso Deus,
que chamastes S. João da
Cruz ao Carmo
para o fazerdes
experimentar a doçura do vosso amor
e o constituístes pai
espiritual duma multidão de filhos e filhas,
fazei que, seguindo o seu
exemplo e doutrina na Subida do Monte Carmelo,
pela senda da fé, da
esperança e do amor,
iluminados na Noite
Escura pela Chama Viva do vosso amor,
alcancemos a perfeita
liberdade dos vossos filhos,
para entoarmos um dia o
Cântico Espiritual
que para sempre ressoa
nas moradas eternas.
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