Neste
quinto domingo da quaresma, depois de ler o relato da «ressurreição» de Lázaro,
levantei o sobrolho da alma para ver se podia gritar: «Ressurreição à vista»!
E, verdade se diga, que isto tem-me dado que fazer. Dou-lhe voltas e mais
voltas, e não consigo entender bem esta questão da morte e ressurreição.
Tranquiliza-me o facto de, no que toca a estas coisas da fé, Nosso Senhor nunca
ter perguntado a ninguém se sabia ou entendia. «Disse Jesus (a
Marta): «Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha
morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá
para sempre. Crês nisto?» Ela respondeu-lhe: «Sim, ó Senhor; eu
creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus que havia de vir ao mundo» (Jo 11,
25-27).
S.
Paulo diz que renascemos no baptismo, que é participação na morte e
ressurreição de Cristo (cf. Rom 6,3). Por isso, o catecúmeno tinha que
despir-se do que é velho e entrar nu na água, como se descesse ao sepulcro. Ali
recebia o baptismo e, ao sair, era revestido com uma túnica nova, para indicar
a nova vida que tinha recebido. Mortos para o pecado e ressuscitados com
Cristo, os cristãos estão vocacionados para viver uma vida nova (cf. Rom 6,4).
Neste contexto, entendo melhor as palavras do profeta: «Infundirei em Vós o meu
espírito e revivereis» (1ª leitura). Sem o Espírito de Jesus ressuscitado somos
pouco mais do que um cadáver sem vida, sepultados neste sepulcro do exílio. A
ressurreição equivale à posse em plenitude do espírito de Deus. Cristo
ressuscitou porque tinha em Si a plenitude do Espírito. Também nós «não estamos
sobre o domínio da carne, mas do Espírito» (2ª leitura).
Este
quinto domingo quaresmal está-me a dizer que a experiência da ressurreição de
Jesus vive-se antes da morte, para cá da morte, fazendo e vivendo como Ele nos
ensinou e mandou, pois só assim damos glória a Deus Pai: «Nisto se manifesta a
glória de meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus
discípulos» (Jo 15, 8). A força da ressurreição de Cristo é para se viver já,
agora e aqui. Sobre a vida «para além da morte» podemos ter uma ideia. Mas a
realidade agora é a vida «para cá da morte». Ora, como escreveu o papa
Francisco (EG 231): «a realidade é mais importante do que a ideia». Por isso, a
nossa esperança na vida eterna não é só para depois da morte. Jesus quer
fazer-nos participar já, nesta vida mortal, da vida eterna. Não temos de estar
à espera de morrer para começar a gozar a gozar do perdão de Deus e da
intimidade com Ele. Os que acreditam não morrerão para sempre, porque, de
alguma maneira, já entraram na vida. Assim o dizia a beata carmelita Isabel da
Trindade: «Encontrei o meu céu na terra, porque o céu é Deus e Deus está na
minha alma». Também Santa Teresa de Jesus, com a alegoria do bicho-da-seda,
fala da ressurreição espiritual do cristão, do mistério pascal que se realiza
por virtude da ressurreição de Cristo. Mas esta vida nova – viver nesta terra
com o espírito de Cristo ressuscitado – exige a nossa colaboração: «Morra,
morra este nosso verme – como fez o da seda quando acabou de fazer aquilo para
que foi criado – e vereis como havemos de ver a Deus e sentirmo-nos tão metidas
na Sua grandeza como aquele vermezito no seu casulo» 5M 2, 6). O nosso povo
costuma dizer: «morte certa em hora incerta». Contudo, um cristão (aquele que
tem o espírito de Cristo) pode acrescentar: «ressurreição certa em hora certa».
Ao
fim destes cinco domingos – que foram verdadeiras catequeses baptismais: as tentações
(que são o nosso estado actual), a transfiguração (que é o nosso destino), a
Samaritana (que nos recorda que Cristo é a água que pode saciar a nossa sede
mais profunda), o cego de nascença (que nos fala de Jesus, luz do mundo) e de
Lázaro (que nos convida a pôr os olhos na ressurreição futura) – podemos entrar
na Semana Santa e recordar que pelo baptismo morremos ao pecado e ressuscitamos
para a graça. Que o Senhor Jesus nos conceda a graça de nos unirmos cada vez
mais a Ele, abraçarmo-nos com a Sua cruz e participar um dia da Sua gloriosa
ressurreição. Amém.
Agostinho
Leal, ocd
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