Decorre entre os dias 27
de Janeiro a 1 de Fevereiro de 2014, em Ávila, o encontro europeu de formadores
das novas vocações carmelitas na Europa. Esta actividade conta com cerca de 30
participantes vindos dos mais diversos países da Europa e ainda do Líbano e
Egipto. Tem sido um excelente oportunidade de reflectir sobre a formação das
novas gerações de candidatos à nossa Ordem, tendo em conta o mundo concreta co
mas suas novas coordenadas donde provêm as vocações. O tema tem sido amplo mas
incide particularmente sobre a etapa do postulantado. Contou a reflexão do Pe
António Sicari, carmelita italiano, do Pe Joaquim Teixeira, provincial de
Portugal, e do Pe Tadeusz Florek, carmelita e psicólogo polaco. Partilharam as
diferentes modalidades de postulantado existentes na Europa, pois esta etapa
oferece bastantes modulações. De Portugal, participam ainda o Pe Vasco Nuno e o
Pe Vitor Hidalgo.
31 janeiro, 2014
30 janeiro, 2014
Nos 100 anos do nascimento de Etty Hillesum
Quando se realizou na cidade de Amesterdão uma greve geral que uniu a
sociedade inteira contra o pogrom [perseguição e massacre de um grupo étnico ou
religioso, neste caso os judeus], a resposta nazi não se fez esperar: os judeus
foram massivamente despedidos dos seus empregos, impedidos de frequentar os
lugares de comércio e lazer, e selecionados para experiências de reeducação. Na
zona oriental da Holanda, foi instalado à pressa um campo de concentração
intermédio, uma espécie de antecâmara de Auschwitz.
A greve geral ocorreu em fevereiro de 1941 e, no mês seguinte, uma rapariga
de Amesterdão começa, num modesto caderno de papel quadriculado, o seu Diário.
Iniciava-se aí uma das aventuras literárias e espirituais mais significativas
do século. Ela tinha 27 anos de idade e morreria sem ter feito 30. Chamava-se
Etty Hillesum.
Graças à proteção de alguns amigos, Etty entra nesse ano como datilógrafa
numa das secções do Conselho Judaico. Um pouco como nos restantes territórios
ocupados, este organismo surge a mediar a relação entre o povo judeu e as
autoridades, tornando-se facilmente presa da manipulação nazi. Etty dá-se conta
disso e decide pedir para deixar os escritórios e acompanhar, como voluntária,
os primeiros deportados. Dentro dela esboçava-se a compreensão de que aquela
hora extrema tinha um significado a que ela não poderia subtrair-se.
De agosto de 1942 até setembro de Í943 vive no campo de concentração de
Westerbork, trabalhando no mais que improvisado hospital. Uma das vantagens do
seu estatuto de voluntária era poder ir algumas vezes a Amesterdão. É quando se
dá o inaudito. No seu quarto "belo e tranquilo", ela sente uma
saudade avassaladora de Westerbork: "Estes meses entre o arame farpado
foram os meses mais intensos e ricos da minha vida".
Amigos seus que haviam passado à resistência expuseram-lhe todos os perigos
que corria, queriam que ela fugisse enquanto era tempo, ameaçaram mesmo
forçá-la, mas a todos respondeu que não a entendiam. O que Ettty intui
fulgurantemente é que a experiência daquele inferno exige uma reinvenção humana
radical. "Vou ter de achar uma linguagem nova", escreveu ela.
Olhamo-la no campo de concentração, primeiro como voluntária e feita depois
prisioneira, atravessando o lamaçal, esgotando-se em atenções aos deportados,
ela própria ferida por dores violentas, mas sempre à procura de uma janela
donde se alcance um fragmento de céu.
A sua escrita aparece povoada de dilacerantes interrogações, é verdade:
"Às vezes pergunto-me, num momento difícil como esta noite, quais são os
planos que tens para mim, ó Deus". Mas o traço mais forte é o de uma
inexplicável confiança: "Quando ontem, às duas da manhã, finalmente
cheguei lá acima e me ajoelhei quase nua, no meio do quarto, totalmente
deprimida, eu disse de repente: "Hoje, vendo bem, vivi coisas
grandiosas".
É impossível não aproximar o percurso que faz Etty Hillesum daquele vivido
por Simone Weil. São contemporâneas, ambas judias, debatendo-se por
salvaguardar o sol interior num século de experiências sombrias, ambas
escritoras, ambas consumando até ao fim (ou mais para lá do fim) um destino de
aniquilamento como se de uma incrível aventura espiritual se tratasse. A
própria morte as aproxima, ocorrida no mesmo ano: 1943. Simone morre num
hospício inglês, como se expirasse entre as vítimas, na frente mais exposta de
um combate, e Etty num campo de concentração, para o qual partiu cantando.
Etty nasceu a 15 de janeiro de 1914. A Cruz Vermelha comunicou a sua morte
a 30 de novembro de 1943.
José Tolentino
Mendonça
In Expresso,
30.11.2013
29 janeiro, 2014
Oh formosura que excedeis!
Formosura que excedeis
mesmo as grandes formosuras!
Sem ferir, sofrer fazeis,
e sem sofrer desfazeis
o amor das criaturas.
Oh, laço que assim juntais
duas coisas díspares!,
não sei porquê vos soltais,
pois atando força dais
pra ter por bem os pesares.
Quem não tem ser vós juntais
com o Ser que não se acaba;
sem acabar, acabais,
e sem ter que amar amais,
engradeceis o nosso nada.
Santa Teresa de Jesus
28 janeiro, 2014
Papa Francisco elogia padres e bispos que dão a vida no anonimato e são esquecidos pelos média
O papa Francisco
salientou esta segunda-feira a ação silenciosa que padres e bispos realizam
todos os dias no anonimato e no silêncio, e lamentou que os média deem mais
realce aos maus exemplos do que ao trabalho positivo realizado pela maioria do
clero.
«Na história conhecemos
uma mínima parte, mas quantos bispos santos, quantos sacerdotes, quantos padres
santos que deixaram a sua vida ao serviço das dioceses, da paróquia; quanta
gente recebeu a força da fé, a força do amor, a esperança, destes párocos
anónimos, que não conhecemos. São tantos», afirmou o papa no Vaticano.
Na missa a que presidiu,
Francisco recordou «os párocos do campo ou párocos da cidade, que com a sua
unção deram força ao povo, transmitiram a doutrina, deram os sacramentos, isto
é, a santidade», refere a Rádio Vaticano.
«“Mas, padre, li num
jornal que um bispo fez tal coisa ou que um padre fez aquilo!”. “Sim, eu também
li; mas, diz-me, nos jornais vêm as notícias daquilo que fizeram tantos
sacerdotes, tantos padres em tantas paróquias de cidade e do campo, tanta
caridade que fizeram, tanto trabalho que fazem para levar por diante o seu
povo?”. Ah, não! Isso não é notícia», apontou o papa.
Francisco constatou que
os média dão sempre mais destaque ao que é negativo: «É aquilo de sempre: faz
mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que cresce».
«Os bispos não são
eleitos apenas para levar por diante uma organização, que se chama Igreja
particular, mas são ungidos, têm a unção e o Espírito do Senhor está com eles.
Mas todos os bispos, todos somos pecadores, todos», vincou.
As palavras de Francisco
referiram-se à unção que bispos e padres recebem quando são ordenados, gesto
que evoca o nome “Cristo”, que quer dizer “ungido” [por Deus].
«Todos queremos ser mais
santos a cada dia, mais fiéis a esta unção. E aquilo que faz a Igreja
precisamente, aquilo que dá a unidade à Igreja, é a pessoa do bispo, em nome de
Jesus Cristo, porque é ungido, e não porque foi votado pela maioria»,
assinalou.
Para o papa, «não só não
se compreende como não se pode explicar como a Igreja segue em frente apenas
com a força humana»: «Esta paróquia segue em frente porque tem muitas
organizações, muita coisa, mas também tem um padre, um ungido que a leva para a
frente».
«Hoje (…) far-nos-á bem
pensar nos nossos bispos e nos nossos padres corajosos, santos, bons, fiéis, e
rezar por eles. Graças a eles estamos hoje aqui», realçou Francisco no fim da
homilia.
Rui Jorge Martins, in http://www.snpcultura.org/
ORDEM DOS CARMELITAS DESCALÇOS
A
Ordem dos Carmelitas Descalços é uma família religiosa
formada por três expressões ou ramos do mesmo carisma: os frades ou padres carmelitas
descalços, que privilegiam a oração pessoal e comunitária e se dedicam
sobretudo à pastoral da espiritualidade; as carmelitas descalças, com os seus
Carmelos de vida exclusivamente contemplativa; e os carmelitas seculares,
leigos que vivem a mesma espiritualidade, mais comprometidos com a
transformação das realidades sociais onde vivem.
Todos
participam do mesmo carisma que os seus fundadores Santa Teresa de Jesus
(1515-1582) e S. João da Cruz (1542-1591) lhes legaram. No entanto, esta Ordem
Religiosa mergulha as suas raízes no Séc. XII, na Regra de Vida que um grupo de
eremitas idos da Europa para defender os lugares santos na Terra Santa, viveram
no Monte Carmelo, na Palestina, imitando a Virgem Maria e o Profeta Elias. Mais
tarde, na segunda metade do séc. XII, com as perseguições dos muçulmanos na
Terra Santa, viram-se obrigados a regressar à Europa, onde se estabeleceram
como Ordem mendicante. Ao chegar ao Séc. XVI, estes dois santos doutores da
Igreja, Santa Teresa de Jesus e S. João da Cruz, naturais de Ávila, Espanha, do
chamado «Século de Ouro» espanhol, reformaram esta Ordem dos Carmelitas e deram
origem a um novo carisma na vida da Igreja – os Carmelitas Descalços.
Estávamos
na época do Renascimento, dos Descobrimentos, da Reforma e Contra-Reforma. Teresa
de Jesus, monja do Convento da Encarnação, em Ávila, onde viviam cerca de 180
monjas, não se conforma com a mediocridade que se vivia nos conventos carmelitas
e, então, empreende uma reforma da vida, espiritualidade e costumes,
regressando à inspiração mais evangélica e originária da Ordem tal como a viveram
os primeiros frades no Monte Carmelo. Imprime um espírito mais evangélico e
comunitário, mais orante e contemplativo, mais humano e fraterno, primeiro, às
comunidades de irmãs (24 de Agosto de 1562) e depois, com a ajuda de S. João da
Cruz, às comunidades de frades (28 de Novembro de 1568).
Teresa
de Jesus diante de uma igreja dividida em lutas disciplinares e teológicas,
conhecedora dos novos mundos que então se abriam com os descobrimentos e a
necessária evangelização dos povos, com o pouco espírito evangélico que se vivia
nas comunidades religiosas e cristãs de então, inspirada por Deus e agraciada
com grandes dons espirituais, decide formar novas comunidades de irmãs e de
padres, mais pequenas (número máximo de Irmãs por Carmelo são 21), onde se
cultivem os valores da amizade, humildade, desprendimento, simplicidade e
determinação de seguir Jesus, imitando a Virgem Maria. Uns e outros, irmãs e
frades, decidem-se a serem mais fiéis ao espírito da Regra Primitiva, formando
comunidades orantes e fraternas, onde se respirasse um verdadeiro espírito
evangélico. Às irmãs pede-lhes que se dediquem à oração e contemplação, levando
ao seu coração as grandes necessidades da Igreja e do Mundo; e aos padres,
pede-lhes que vivam o mesmo ideal de amizade e intimidade com Cristo na oração,
mas que também O anunciam onde for mais necessário pelo testemunho e pela
pregação.
Assim,
o carisma dos (as) carmelitas descalços (as) fica fortemente marcado pelos
ideais da comunhão fraterna e da oração fecunda e apostólica. A contemplação do
mistério trinitário, o amor e a imitação da Virgem Maria e S. José, que haveriam,
segundo o desejo de Santa Teresa, inspirar e proteger a vida das comunidades e
fraternidades carmelitas, além da forte experiência de amizade espiritual que
Teresa e João da Cruz cultivaram entre si e inculcaram nos membros das
comunidades por eles fundadas, lançaram as bases para que o Carmelo possa ser,
nos nossos dias, uma Casa e Escola de Comunhão com Deus e entre os irmãos
convocados a partilharem a vida, seja nos conventos, seja nos grupos de leigos,
formandos por jovens, adultos e famílias.
Este
estilo de vida, com uma espiritualidade muito humana e encarnada, gerou na
Igreja grandes frutos de santidade. Santa Teresinha do Menino Jesus, Santa
Edith Stein, S. Rafael de S. José, Santa Teresa dos Andes, Beata Isabel da
Trindade, Beato Francisco Palau… são alguns dos muitos sinais de fecundidade
deste carisma na vida da Igreja.
Os
cerca de 4.000 frades, distribuídos por 513 comunidades e 83 países; as cerca
de 10.000 irmãs contemplativas, distribuídas por 100 países e 759 conventos; e os
cerca de 30.000 carmelitas seculares com compromissos, organizados em
fraternidades, e presentes em 72 países, formam esta grande família dos
Carmelitas Descalços, que têm por vocação e missão testemunharam a presença do
Deus Vivo nas suas vidas pessoais e comunitárias, numa vida de encontro e
intimidade com Cristo, e a partir daí, propô-Lo ao mundo não como uma ideia ou
uma teoria, mas como um Deus experimentado, encarnado em Jesus, próximo e íntimo
a cada um de nós. Seja a partir dos leigos carmelitas inseridos na família e na
sociedade, seja a partir dos Carmelos de vida contemplativa, seja a partir das comunidades
de frades e padres, juntos traduzem toda a riqueza da espiritualidade carmelita.
Os padres abraçam os diferentes âmbitos da evangelização da juventude e das
famílias, nas comunidades eclesiais já estruturadas e nas terras de missão,
sobretudo, mediante a promoção da vida espiritual com a criação de casas de
oração, centros de espiritualidade, orientação de retiros, grupos de oração,
formação cristã e compromisso preferencial com os mais pobres e simples ao
jeito de Jesus.
Como
comunhão de uma única Família, em três ramos, todos assumem, segundo a sua
especificidade própria, o compromisso de serem um testemunho alegre da íntima
comunhão com Deus e com os irmãos, transbordando para o mundo, a abundância da
graça que Deus derrama em seus corações pela oração, entendida como trato amigo
e contínuo com Cristo.
Pe. Joaquim Teixeira
Imagem in Provocar - Vocacional Carmelo Descalço
27 janeiro, 2014
O porto
Titulo original: Le Havre
De: Aki Kaurismäki
Com: André Wilms,
Jean-Pierre Darroussin, Kati Outinen, Blondin Miguel
Género: drama, comedia
Outros dados: França,
2011, cores, 93min, M/12
Le Havre, o último filme
de Aki Kaurismäki, é uma demonstração do amor. É um tanto ou quanto repentino e
inconsequente classificá-lo assim, mas é o que ele é. Não se pense com isto que
é um filme romântico, não. Não um amor apaixonado, juvenil ou plastificado.
Pelo contrário, muito maduro e fiel, com o seu quê de ingenuidade.
A história começa, num
dia de pouca luz, no porto deLe Havre, França, quando Marcel Marx (André Wilms)
se aprontava para o seu almoço de todos os dias, preparado, meticulosamente, pela
sua mulher Arletty (Kati Outinen), e se depara com uma criança africana
escondida entre as madeiras molhadas da doca, a olhar fixamente para ele.
Idrissa (Blondin Miguel) é um rapaz novo, que fugiu do seu país por uma vida
melhor, com destino Londres, via um contentor de mercadorias, como tantos
outros. Vendo-o perdido, Marcel decide então levá-lo para sua casa. Mas ao
chegar, encontra a casa vazia, sem Arletty, nem comida para o pobre rapaz.
Idrissa não poderia estar mais bem
entregue. Desde Marcel, o seu novo pai, que nem jantar tem para lhe dar, a
amigos do bairro de cabelo comprido e cigarro no canto da boca, ao dono da
mercearia a quem Marcel deve fiado, à empregada do café que dá os melhores
conselhos, e ao bom coração do inspector da polícia que o quer capturar para o
mandar de volta para o seu país.
Le Havre mostra-nos a dignidade na
pobreza. Marcel que sempre engraxou sapatos pelo pão de cada dia, mesmo não
tendo nada para oferecer a Idrissa, ao chegar a casa, oferece-lhe ensinamentos.
Mostra-nos a amizade na pobreza, quando o
rabugento dono da mercearia coloca às escondidas o jantar no saco de Idrissa,
ao mesmo tempo que grita com Marcel para ele lhe pagar o que deve.
E enche-nos com o humor na pobreza.
Ingénuo, ao mesmo tempo que inteligente e denunciador. Em cenários pobres, dias
escuros e personagens cansadas, consegue fazer-nos rir.
Envolta na miséria, uma relação nasce,
estende-se, sacrifica-se e supera-se. Do sítio de onde poderia nascer a
vigarice, o individualismo, ou o desespero. Porque seria tão mais fácil assim.
Aki Kaurismäki filma um milagre dos nossos dias. Saímos do filme a querer viver
nos barracões daquele bairro, a querer absorver tudo o que a empregada do café
tem para nos dizer, a querer beber uns copos com o Marcel, mesmo sabendo que
quando chegarmos a casa a mesa vai estar vazia. Mas não é deste preenchido que
vos falo, deste conforto gordo. Falo-vos de um nada que se transforma em tudo,
e se espraia até perder de vista, que não termina na pobreza, inesgotável. Um
alimento que se multiplica e não deixa fome. Que nos desarma sem nos magoar.
Que põe em perspectiva, que vê para lá do olhar. Um tudo que preenche e basta
por si mesmo. Só no amor Le Havre pode existir.
Concha Pais de Carvalho,
in http://www.essejota.net/index.php?b=home
26 janeiro, 2014
DEUS ANDA POR AÍ À PROCURA DE TI
1. Domingo III do Tempo Comum. Cruzamento de textos num facho
de intensa luz, vinda de fora, como a aurora. É o Evangelho de Mateus 4,15-16
que recolhe Isaías 8,23-9,1. No Evangelho de Mateus, esta luz que alumia a
sombria Galileia é Jesus. Ventos de morte tinham varrido a Galileia no ano 732
a. C., quando o imperador assírio Tiglat-Pilezer III, na sua expansão para
ocidente, invadiu e reduziu estes territórios a três províncias assírias:
Galaad, Meguido e Dor, transferindo para ali povos pagãos de outros credos e
culturas.
2. O
Evangelho de hoje refere com precisão que, «quando Jesus soube que João
Baptista tinha sido preso, retirou-se para a Galileia» (Mateus 4,12), e, «desde
então, começou a pregar» (Mateus 4,17a). Uma prolepse e uma surpresa, podemos dizer
mesmo um escândalo. A prolepse: ao anotar a prisão de João Baptista, o narrador
não está tanto a registrar um facto histórico, mas mais a desvendar já aquilo
que um dia acontecerá também a Jesus. A surpresa e o escândalo: era do sentir
comum que o anúncio messiânico fosse feito no coração do judaísmo, em
Jerusalém, e não numa região periférica, desprezada e contaminada pelo
paganismo, como era esta «Galileia dos pagãos» (Mateus 4,15). É para justificar
e iluminar este estranho e inesperado começo, que Mateus se vê como que
obrigado a citar por inteiro a passagem apropriada de Isaías 8,23-9,1.
3. Luz
de Jesus a iluminar a noite da Galileia. Voz de Jesus a romper aquele espesso
manto de silêncio: «Convertei-vos, porque está próximo de vós o Reino dos Céus!»
(Mateus 4,17b). Esplêndida Luz, esplêndida Voz, esplêndido Amor de Deus,
esplêndida surpresa divina! Ainda antes de nos convidar a que nos interessemos
por Deus, a Bíblia mostra que é Deus que se interessa primeiro por nós, tomando
a iniciativa de percorrer as nossas estradas para nos vir visitar a nossas
casas! É esta a maravilha desconcertante do Evangelho!
4. E
assim continua no velho texto de Mateus e nas nossas estradas de hoje.
Verificação: Jesus caminha ao longo das praias do Mar da Galileia, e vê dois
irmãos, Simão e André, ocupados nos trabalhos da pesca, e diz-lhes: «Vinde
atrás de mim (deûte opísô mou)!» (Mateus 4,19). A resposta é imediata:
«Deixaram logo as redes, e seguiram-no!» (Mateus 4,20). E andando um pouco
mais, viu outros dois irmãos, Tiago e João, que, com o pai, Zebedeu,
consertavam as redes na barca. Também os chamou. E também eles deixaram logo a
barca e o pai, e seguiram-no (Mt 4,21-22).
5.
Note-se bem que Jesus desce ao nosso mundo, caminha pelas nossas estradas e vem
ter connosco aos nossos lugares de trabalho. E é aí que nos chama. Não espera
por nós no cenário sagrado das nossas Igrejas! Não nos obriga a aprender uma
doutrina, nem sequer nos entrega um projecto de vida, mas chama-nos a segui-lo
(«vinde atrás de mim»), e partilha connosco a sua vida, como o Mestre faz com
os seus discípulos. Não nos põe a fazer uma espécie de estágio, para que um dia
nos tornemos Mestres. Nós permanecemos sempre discípulos, e um só é o Mestre.
Não nos coloca num estágio, num estado, num estrado, numa estante, mas num
caminho! E um dia mais tarde, ouvi-lo-emos ainda dizer: «Ide!». É sempre no
caminho que nos deixa.
6. Mas
voltemos a Isaías 8,23-9,3, hoje, como já vimos, entrançado com o sublime
Evangelho de Mateus 4,12-23. Visita de Deus. Luz grande para os abandonados.
Vida a borbotar das feridas das espadas. Alegria a desenhar a estação das
ceifas. As nossas mãos em concha a recolher os dias dados. Deus primeiro e
antes. Deus basta. O dia de Madiã é o dia em que Gedeão enfrenta e desbarata as
tropas de Madiã com trezentos homens que sabem que a água é um dom de Deus
(Juízes 7). E estiveram lá junto da fonte mais trinta e um mil e setecentos
candidatos que apenas exibiam a própria força e que pensavam que estavam ali
por acaso! Estavam a mais. Foram mandados embora.
7.
Carl Gustav Jung, um dos pais da psicanálise, mandou esculpir sobre a porta da
sua casa, em Küsnacht, na Suíça, esta frase: «Chamado ou não chamado, Deus
estará sempre presente». Nunca se vai embora. Fica sempre por perto, à espera
de nos abraçar».
Tu, Senhor, Tu falas
E um caminho novo se abre a nossos pés,
Uma luz nova em nossos olhos arde,
Átrio de luminosidade,
Pão
De trigo e de liberdade,
Claridade que se ateia ao coração.
Lume novo, lareira acesa na cidade,
És Tu, Senhor, o clarão da tarde,
A notícia, a carícia, a ressurreição.
Passa outra vez, Senhor, dá-nos a
mão,
Levanta-nos,
Não nos deixes ociosos nas praças,
Sentados à beira dos caminhos,
Sonolentos,
Desavindos,
A remendar bolsas ou redes.
Sacia-nos.
Envia-nos, Senhor,
E partiremos
O pão,
O perdão,
Até que em cada um de nós nasça um irmão.
D. António Couto, in Mesa de Palavras
22 janeiro, 2014
História da Causa de Beatificação da Ir. Lúcia
2008
Antecipação da
abertura do
Processo de Beatificação da Irmã Lúcia
Processo de Beatificação da Irmã Lúcia
No dia 13 de Fevereiro de
2008, 3º aniversário do falecimento da Irmã Lúcia, o Santo Padre Bento VI,
atendendo ao pedido de milhares de fiéis de todo o mundo, deu o seu
consentimento para que se realizasse a abertura do Processo de Beatificação da
Irmã Lúcia, dispensando assim 2 anos de espera para o prazo estabelecido pela
Igreja.
O Santo Padre encarregou o Cardeal português, D. José Saraiva Martins, Prefeito para a Congregação da Causa dos Santos, de transmitir a notícia o que ele fez após a Eucaristia que celebrou no Carmelo de Santa Teresa, Coimbra, lendo publicamente, diante de centenas de fiéis, a carta com o Decreto do Vaticano que permite a abertura imediata do Processo de Beatificação da Irmã Lúcia.
«Bento XVI, acolhendo benevolamente o pedido apresentado pelo Bispo de Coimbra, D. Albino Mamede Cleto, e compartilhado por numerosos Bispos e fiéis de todas as partes do mundo, derrogou os cinco anos de espera estabelecidos pelas normas canónicas (cf. artigo 9 das Normae servandae), e dispôs que possa começar-se, apenas três anos depois da morte, a fase diocesana da causa de beatificação da Carmelita».
Todos os presentes, com o coração agradecido e num gesto de extrema alegria irromperam numa grande salva de palmas que os meios de comunicação social ampliaram para a Igreja inteira.
Para o Bispo de Coimbra, D. Albino Cleto, também presente na referida Celebração, esta decisão do Papa Bento XVI é reveladora "da estima do Santo Padre por Fátima e pela mensagem de Fátima, e, antes de mais, pelo acontecimento que aqui ocorreu, caso contrário não teria respondido positivamente ao pedido de antecipação".
A partir deste momento é-nos permitido prestar culto e rezar pedindo a Deus graças por intercessão da Irmã Lúcia.
O Santo Padre encarregou o Cardeal português, D. José Saraiva Martins, Prefeito para a Congregação da Causa dos Santos, de transmitir a notícia o que ele fez após a Eucaristia que celebrou no Carmelo de Santa Teresa, Coimbra, lendo publicamente, diante de centenas de fiéis, a carta com o Decreto do Vaticano que permite a abertura imediata do Processo de Beatificação da Irmã Lúcia.
«Bento XVI, acolhendo benevolamente o pedido apresentado pelo Bispo de Coimbra, D. Albino Mamede Cleto, e compartilhado por numerosos Bispos e fiéis de todas as partes do mundo, derrogou os cinco anos de espera estabelecidos pelas normas canónicas (cf. artigo 9 das Normae servandae), e dispôs que possa começar-se, apenas três anos depois da morte, a fase diocesana da causa de beatificação da Carmelita».
Todos os presentes, com o coração agradecido e num gesto de extrema alegria irromperam numa grande salva de palmas que os meios de comunicação social ampliaram para a Igreja inteira.
Para o Bispo de Coimbra, D. Albino Cleto, também presente na referida Celebração, esta decisão do Papa Bento XVI é reveladora "da estima do Santo Padre por Fátima e pela mensagem de Fátima, e, antes de mais, pelo acontecimento que aqui ocorreu, caso contrário não teria respondido positivamente ao pedido de antecipação".
A partir deste momento é-nos permitido prestar culto e rezar pedindo a Deus graças por intercessão da Irmã Lúcia.
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Abertura do Processo de Beatificação
No dia 30 de Abril de 2008, D. Albino Cleto, Bispo de Coimbra, deslocou-se ao Carmelo de Santa Teresa juntamente com uma equipa de Sacerdotes implicados no acontecimento e, na presença de toda a Comunidade das Irmãs Carmelitas, deu início ao Processo de Beatificação da Irmã Lúcia.
O Bispo de Coimbra em conjunto com o Carmelo de Coimbra escolheu e nomeou para Postulador da Causa o P. Ildefonso Morriones, Sacerdote Carmelita e para Vice-Postulador o Cónego Alberto Gil, Sacerdote da Diocese de Coimbra.
Abertura do Processo de Beatificação
No dia 30 de Abril de 2008, D. Albino Cleto, Bispo de Coimbra, deslocou-se ao Carmelo de Santa Teresa juntamente com uma equipa de Sacerdotes implicados no acontecimento e, na presença de toda a Comunidade das Irmãs Carmelitas, deu início ao Processo de Beatificação da Irmã Lúcia.
O Bispo de Coimbra em conjunto com o Carmelo de Coimbra escolheu e nomeou para Postulador da Causa o P. Ildefonso Morriones, Sacerdote Carmelita e para Vice-Postulador o Cónego Alberto Gil, Sacerdote da Diocese de Coimbra.
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2009
Comissão Histórica
O Bispo de Coimbra, D. Albino Cleto, nomeou os membros da Comissão histórica do Processo de Beatificação da Serva de Deus Irmã Lúcia, que fizeram a sua tomada de posse no dia 23 de Junho de 2009 no Carmelo de Santa Teresa.
Esta equipa tem o encargo de reunir todos os escritos da Serva de Deus para fazerem parte do Dossier do Processo Diocesano em curso, um trabalho que se impõe demorado pelo facto de existirem milhares de cartas escritas pela Irmã Lúcia que terão que ser arquivadas, transcritas e organizadas segundo os critérios e exigências do Processo.
Comissão Histórica
O Bispo de Coimbra, D. Albino Cleto, nomeou os membros da Comissão histórica do Processo de Beatificação da Serva de Deus Irmã Lúcia, que fizeram a sua tomada de posse no dia 23 de Junho de 2009 no Carmelo de Santa Teresa.
Esta equipa tem o encargo de reunir todos os escritos da Serva de Deus para fazerem parte do Dossier do Processo Diocesano em curso, um trabalho que se impõe demorado pelo facto de existirem milhares de cartas escritas pela Irmã Lúcia que terão que ser arquivadas, transcritas e organizadas segundo os critérios e exigências do Processo.
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2012
Novo Vice-Postulador
Por resignação do Senhor Bispo D. Albino, tomou posse da Diocese de Coimbra o Senhor D. Virgílio do Nascimento Antunes que desde o início se mostrou muito interessado no andamento do Processo de Beatificação da Irmã Lúcia.
Novo Vice-Postulador
Por resignação do Senhor Bispo D. Albino, tomou posse da Diocese de Coimbra o Senhor D. Virgílio do Nascimento Antunes que desde o início se mostrou muito interessado no andamento do Processo de Beatificação da Irmã Lúcia.
Em 12 de Janeiro de 2012, o Postulador da Causa de Beatificação da Irmã Lúcia, P. Ildefonso Moriones, nomeou Vice-Postulador o Cónego Aníbal Pimentel Castelhano.
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Oficiais do Inquérito | Tribunal Eclesiástico
O Senhor D. Virgílio Antunes nomeou, no dia 10 de Março de 2012, os Oficiais do Inquérito que iniciaram de imediato o seu encargo de ouvir as testemunhas que irão depor no Processo de Beatificação, estando atualmente este trabalho em curso.
P. Luís Ribeiro de Oliveira foi nomeado Delegado Episcopal.
P. Pedro Carlos Lopes de Miranda foi nomeado Promotor da Justiça.
D. Maria José Soares Ferreira Neves foi nomeada Notária.
P. Pedro Alexandre Pinto dos Santos foi nomeado Notário Adjunto.
Oficiais do Inquérito | Tribunal Eclesiástico
O Senhor D. Virgílio Antunes nomeou, no dia 10 de Março de 2012, os Oficiais do Inquérito que iniciaram de imediato o seu encargo de ouvir as testemunhas que irão depor no Processo de Beatificação, estando atualmente este trabalho em curso.
P. Luís Ribeiro de Oliveira foi nomeado Delegado Episcopal.
P. Pedro Carlos Lopes de Miranda foi nomeado Promotor da Justiça.
D. Maria José Soares Ferreira Neves foi nomeada Notária.
P. Pedro Alexandre Pinto dos Santos foi nomeado Notário Adjunto.
21 janeiro, 2014
Vossa sou, para vós nasci!
Vossa sou, para Vós
nasci,
Que quereis fazer de mim?
Soberana Majestade,
Eterna Sabedoria,
Bondade tão boa para a
minha alma,
Vós, Deus, Alteza, Ser
Único, Bondade,
Olhai para a minha
baixeza,
Para mim que hoje Vos
canto o meu amor.
Que quereis fazer de mim?
Vossa sou, pois me
criastes,
Vossa, pois me
resgatastes,
Vossa, pois me suportais,
Vossa, pois me chamastes,
Vossa, pois me esperais,
Vossa pois não estou
perdida,
Que quereis fazer de mim?
Que quereis então, Senhor
tão bom,
que faça tão vil
servidor?
Que missão destes a este
escravo pecador?
Eis-me aqui, meu doce
amor,
Meu doce amor, eis-me
aqui.
Que quereis fazer de mim?
Eis o meu coração,
que coloco em Vossas
mãos,
com o meu corpo, minha
vida, minha alma,
minhas entranhas e todo o
meu amor.
Doce Esposo, meu
Redentor,
para ser Vossa, me
ofereci,
que quereis fazer de mim?
Dai-me a morte, dai-me a
vida,
a saúde ou a doença
dai-me honra ou desonra
a guerra, ou a maior paz,
a fraqueza ou a paz
plena,
a tudo isso, digo sim:
Que quereis fazer de mim?
Vossa sou, para Vós
nasci,
Que quereis fazer de mim?
Santa Teresa de Jesus
20 janeiro, 2014
A ESSÊNCIA DO AMOR
De: Terrence Malick
Com: Ben Affleck, Olga
Kurylenko, Rachel McAdams, Javier Bardem
Drama, M/12, EUA, 2012,
112 min
Trailer.
Malick é um realizador
único e importante. Contudo, o seu último filme, A Essência do Amor, parece a
obra de um discípulo menor a tentar imitar o mestre. É inevitável a comparação
com A Árvore da Vida, não só pela invulgar proximidade temporal entre ambos,
como porque, a vários níveis, A Essência do Amor parece ser uma versão
histriónica falhada do opus anterior de Malick: com excepção de Rachel McAdams,
não se pode propriamente falar de uma performance dos actores; a banda sonora,
elemento tão distintivo da estética malickiana, não envolve, apesar da sua
qualidade; o registo explicitamente alegórico em que A Árvore da Vida já
operava atinge aqui um paroxismo em que os personagens são esvaziados em nome
de um simbolismo enfezado se não estéril.
O filme, a confiar no
comunicado de imprensa divulgado, pretende ser uma exploração do amor nas suas
diversas formas. O confronto mais óbvio, a esse nível, é o que opõe amor
“carnal” (dominante na relação Marina-Neil) e “espiritual” (que encontra o seu
espaço, de certo modo, em Jane), o qual, por sua vez, evoca um outro, a que se
alude abertamente na fita: amor humano | amor divino. O padre interpretado por
Javier Bardem insiste nos seus sermões em que o primeiro se funde no segundo e
o imite, pois só assim conquistará a permanência. Tal implica, como ele realça,
uma decisão activa, que transcenda o mero sentimento, que não faça a relação
depender do desejo mas sim da vontade. Bardem enfatiza, no fundo, a necessidade
de compromisso, mas, acima de tudo, ilustra-a.
De facto, Quintana está,
ele próprio, a passar por uma crise de fé: também a sua relação com Deus
atravessa um período difícil, em que se interroga sobre o sentido e a realidade
daquilo em que diz acreditar. Ao contrário, porém, de
Marina ou Neil, que ante o desgaste do seu amor optam pela solução mais fácil
(a separação ou a traição), Quintana persevera na sua vocação e insiste em a
cumprir enquanto doação, visitando presos, toxicodependentes e portadores de
deficiência. Ele é a resposta palpável ao discurso moderno individualista
apresentado por Anna, a amiga italiana de Marina, que afirma: «eu sou a
experiência de mim própria». Anna representa o ideal contemporâneo da liberdade
absoluta, hostil ao compromisso, que vê como prisão. A felicidade que resulta desse
desprendimento revela-se, porém, demasiado esporádica. Só a fidelidade na
entrega pode erguer o verdadeiro e o futuro: amar é cativar, como ensinou a
Raposa ao Princepezinho.
19 janeiro, 2014
NAQUELE DIA EM BETHABARA
1.
Aí está, já no Domingo II do Tempo Comum, outra vez João Baptista, a figura do
umbral ou do limiar, que está sempre ali, à porta, para acolher e fazer as
apresentações. Ele está em Betânia [= «Casa do pobre»] ou Bethabara [=
«Casa da passagem»] – consoante as versões –, sempre do outro lado do Jordão,
como refere bem João 1,28. João coloca-se estrategicamente do outro lado do
Jordão, onde um dia o povo do Êxodo parou também, para preparar a entrada na
Terra Prometida, atravessando o Jordão (Josué, 3).
2.
Este início do Evangelho de João (1,19-2,12) distribui as acções por dias. No
primeiro dia (João 1,19-28), João Baptista, postado no umbral de Bethabara,
é interrogado pelas autoridades acerca da sua identidade. No segundo dia
(1,29-34), João Baptista acolhe Jesus e apresenta-o a nós. No terceiro dia
(1,35-42), alguns discípulos de João Baptista seguem Jesus, e Simão recebe o
nome de Cefas, única vez nos Evangelhos, que significa Pedra esburacada,
acolhedora e protectora. No quarto dia (1,43-51), Jesus chama Filipe e
revela-se a Natanael e aos outros discípulos. Estes quatro dias representam em
crescendo a preparação remota para a manifestação da Glória de Jesus.
Correspondem à primeira parte da preparação para a festa do Dom da Lei, que os
judeus celebravam no Pentecostes. Depois destes quatro dias, passa-se logo para
o «3.º Dia» (2,1-12), que é o 7.º [= 4+3], e que tem a ver com a manifestação
da Glória de Jesus (2,11), que corresponde ao 3.º Dia da manifestação da Glória
de Deus no Sinai (Êxodo 19,10-20), para o qual se requerem dois dias de intensa
preparação (Êxodo 19,10-11). Se os quatro primeiros dias constituem a preparação
remota, os dois seguintes são a preparação próxima para este 3.º Dia! Este era
o esquema da preparação do povo para a Festa do Dom da Lei de Deus que se
celebrava no Pentecostes.
3.
O Evangelho deste Domingo II do Tempo Comum (João 1,29-34) mostra-nos o 2.º dia
dos primeiros quatro de preparação. João Baptista permanece parado em Bethabara [=
«Casa de passagem»], desde João 1,28, imóvel e sereno e atento. O lugar em que
permanece parado, define-o e define-nos: é um umbral ou limiar. Todo o umbral
ou limiar é um lugar de passagem. Estamos de passagem. João Baptista ocupa,
portanto, o seu lugar estreito e aberto entre o des-lugar e a casa, o deserto e
a Terra Prometida, entre o Antigo e o Novo Testamento. É desse lugar de
passagem, mas em que está parado como um guarda ou sentinela vigilante, que
João vê bem (emblépô) Jesus a passar (peripatoûnti) (João 1,36) e
a VIR ao seu encontro (João 1,29). Como Deus que VEM sempre ao nosso encontro.
E apresenta-o como o CORDEIRO DE DEUS, que tira o pecado do mundo. Apresenta-o
a nós, pois não é dito que esteja lá mais alguém. Riquíssima apresentação de
Jesus. Na verdade, Cordeiro diz-se na língua aramaica, língua comum então
falada, talya’. Mas talya’ significa, não só
«cordeiro», mas também «servo», «filho» e «pão». Aí está traçada a identidade
de Jesus.
4.
O Espírito de Deus entra na nossa história, descendo e permanecendo na
humanidade de Jesus. A humanidade de Jesus é a porta por onde entra em nossa
casa o Espírito de Deus. É esta novidade que, do seu posto de sentinela, João
Baptista está a ver (verbo no perfeito grego), e dela dá testemunho (verbo no
perfeito grego). Entenda-se bem: João Baptista dá testemunho, não porque viu e
já não vê, mas porque viu e continua a ver, exactamente como as testemunhas de
Jesus Ressuscitado (João 20). O Filho de Deus feito Homem, sobre quem desce e
permanece o Espírito de Deus, Vem ao nosso encontro em Bethabara,
para nos fazer entrar em Casa, na Terra Prometida.
5.
Cordeiro, Servo, Filho, Pão: eis Jesus, manso e dócil, nosso irmão e nosso
alimento. O «Segundo Canto do Servo do Senhor» (Isaías 49,1-6), em que Hoje se
espelha o Evangelho, já mostra este Servo de Deus, libertado do serviço entre
os povos estrangeiros, para se colocar exclusivamente ao serviço do Senhor,
que, por isso e para isso, o pode chamar «meu Servo» (Isaías 49,3 e 6). A sua
missão será reconduzir Israel para Deus, de quem se tinha afastado física e
moralmente (Isaías 49,5). Fica, todavia, logo claro que não é suficiente
proceder à reunião dos filhos de Abraão. É necessário ir mais longe e refazer o
mundo dos filhos de Adam. É necessário ser a Luz das nações, como Jesus (Lucas
2,32) e todos os seus escolhidos e enviados.
6.
Veja-se Paulo, que faz sua a missão do Servo Isarel de ser Luz das nações até
aos confins da terra (Actos 13,47). É nesse rastro de Luz que chega um dia a
Corinto para lá acender a Luz de Cristo, e velar por essa Luz. É por isso que
hoje escutamos também o princípio da correspondência que Paulo estabelece com a
comunidade de Corinto (1 Coríntios 1,1-3).
7.
É o cântico novo que ecoa hoje na nossa boca, e que se vai ouvindo já por toda
a terra. De acordo com a música e a letra que pedimos emprestada ao Salmo 40,
que temos de aprender a saborear e a trautear.
D. António
Couto, in Mesa de Palavras
18 janeiro, 2014
Biografia da Ir. Lúcia
1907 – No dia 28 de Março nasce em Aljustrel,
freguesia de Fátima, concelho de Ourém, tendo sido registada como nascida a 22
desse mês.
No dia 30 de Março é baptizada na Igreja Paroquial
de Fátima.
1913 – Faz a Primeira Confissão e primeira
Comunhão, (administradas pelo Padre Cruz. Este assumiu a responsabilidade por
ela só ter seis anos).
1915 –
Começa a pastorear com os seus primos, Jacinta e Francisco
1915-1916 – Juntamente com Jacinta e Francisco
recebe três aparições do Anjo, que se denomina por Anjo de Portugal.
1917 – Sempre na companhia dos primos recebe por
seis vezes a aparições de Nossa Senhora.
No dia 15 de Setembro, vai para Reixida, Cortes,
com a Jacinta, onde permanece oito dias.
1919 – Falecimento de António dos Santos, pai da
Lúcia, em Aljustrel, a 31 de Julho.
1920 – De 7 de Julho a 06 de Agosto faz uma
estadia em Lisboa em casa de uma Senhora Amiga, D. Assunção Avelar, por
indicação e conselho do Sr. Bispo de Leiria.
No mesmo ano, de 6 a 12 de Agosto permanece em Santarém,
ficando hospedada em casa de uma irmã do Senhor Cónego Formigão.
1921 – Volta de novo a Fátima e no dia 15 de
Junho, nas vésperas da sua partida definitiva
para o colégio de Vilar, no Porto, recebe, na Cova da Iria, a sétima
aparição de Nossa Senhora, prometida a 13 de Maio de 1917. Foi uma aparição com
mensagem pessoal para Lúcia, que, por isso, só mais tarde no seu diário, a
revelou.
No dia 16 de Junho despede-se da Cova da Iria e
parte para o Porto, para o "Asilo de Vilar", das irmãs Doroteias,
onde começa a usar o nome de Maria das Dores.
1922 – No dia 05 de Janeiro faz o primeiro relato
escrito das aparições, feito por Lúcia, no Asilo de Vilar.
1924 – No dia 8 de Julho, Lúcia responde ao
interrogatório oficial da Comissão Canónica, no Porto.
1925 – É crismada pelo Bispo de Leira, na capela
da Quinta da Formigueira, em Braga, no dia 24 de Agosto.
No dia 24 de Outubro, parte para Pontevedra, Espanha,
onde ingressa na Congregação de Santa Doroteia, passando por Tuy. No dia
seguinte entrada na Casa da Congregação, em Pontevedra, como postulante.
1925 – No dia 10 de Dezembro recebe a aparição de
Nossa Senhora e do Menino Jesus, em Pontevedra.
1926 – No dia 15 de Fevereiro recebe nova Aparição
do Menino Jesus, em Pontevedra.
1926 – No dia 20 de Julho Lúcia regressa a Tuy,
para terminar o postulantado.
1926 – No dia 2 de Outubro termina o Postulantado
e inicia o Noviciado em Tuy, tomando o nome de Irmã Maria Lúcia das Dores.
1927 – No dia 17 de Dezembro, Lúcia recebe de
Jesus a ordem de escrever o que lhe pediam sobre a devoção ao Imaculado Coração
de Maria.
1928 – No dia 3 de Outubro, Lúcia faz os votos
temporários, em Tuy.
1929 – No dia 13 de Junho Lúcia é surpreendida em
oração com a graça mística da visão da Santíssima Trindade e do Imaculado
Coração de Maria.
1934 – No dia 3 de Outubro Lúcia faz os votos
perpétuos, em Tuy.
1934 – No dia 9 de Outubro, Lúcia volta pela
segunda vez para Pontevedra.
1935/1941- Por ordem do Senhor Bispo de Leiria,
escreve as suas quatro primeiras Memórias.
1942 – Falecimento de Maria Rosa, mãe de Lúcia, no
dia 16 de Maio.
1946 – No dia 17 de Maio partida para o Colégio do
Sardão, das Irmãs Doroteias, Vila Nova de Gaia.
1946 – No dia 20 de Maio volta para Portugal e, de
21 a 22, visita, pela primeira vez Fátima, identifica os locais das Aparições
na Cova da Iria, Loca do Cabeço, Valinhos e Aljustrel.
Fica a residir no Colégio das Irmãs Doroteias, do
Sardão, Vila Nova de Gaia.
1948 – No dia 25 de Março entra no Carmelo de
Coimbra onde permanece até ao fim da sua vida.
No dia 13 de Maio desse mesmo ano recebe o Hábito
do Carmelo, com o nome de Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado.
1949 – No dia 31 de Maio faz a sua Profissão de
Votos Solenes como Carmelita.
A partir deste ano, escreve as duas últimas
Memórias e o livro "Apelos da Mensagem de Fátima".
Mantêm-se em clausura, tendo saído apenas por
motivos de saúde, para cumprir os deveres civis e visitas a Fátima por ocasião
das vindas do Santo Padre e por ordem de Sua Santidade.
1967 – No dia 13 de Maio desloca-se a Fátima e
encontra-se com o Papa Paulo VI.
1977 – No dia 11 de Julho recebe na Clausura do
Carmelo a visita do Cardeal Albino Luciani, patriarca de Veneza e futuro Papa
João Paulo I, que após celebrar a Eucaristia na igreja do Convento tem um breve
diálogo com a Irmã Lúcia.
1982 – No dia 13 de Maio, por ocasião da 1ª
Peregrinação do Papa João Paulo II a Fátima desloca-se mais uma vez à sua terra
natal e encontra-se com o Sucessor de Pedro.
1986 – Falecimento de Maria dos Anjos, irmã mais
velha de Lúcia, no dia 26 de Agosto.
1991 – No dia 13 de Maio volta a Fátima por
ocasião da 2ª Peregrinação do Papa João Paulo II a esta terra de Santa Maria,
dá-se um novo encontro entre ambos.
2000 – Por ocasião da Beatificação dos seus
primos, Francisco e Jacinta, a 13 de Maio, visita Fátima pela última vez onde
se encontra, mais uma vez, com o Papa João Paulo II e pede-lhe licença para
visitar os lugares da sua infância e os
locais das Aparições (Loca do Cabeço, Valinhos, Aljustrel e igreja paroquial de
Fátima), o que acontece a 16 de Maio.
2005 – Falece o dia 13 de Fevereiro, sendo
sepultada no claustro do Carmelo.
2006 – No dia 19 de Fevereiro o seu corpo é
trasladado para a basílica do Santuário de Fátima.
Carmelo de Coimbra, in http://lucia.pt/lucia/cronologia.php
17 janeiro, 2014
Lúcia Rosa dos Santos
Lúcia Rosa dos Santos,
nasceu em Aljustrel, paróquia de Fátima, no dia 28 de
Março de1907.
Na companhia de seus primos, os Bem-aventurados Francisco
e Jacinta Marto, recebeu por três vezes a visita de um Anjo (1916) e por seis
vezes a visita de Nossa Senhora (1917), que lhes pediu oração e penitência em
reparação e pela conversão dos pecadores.
A sua especial missão consistiu em divulgar a devoção ao
Coração Imaculado de Maria como alma da mensagem de Fátima. Em virtude desta
missão que lhe foi confiada recebeu ainda outras visitas de Nossa Senhora,
assim como grandes graças místicas que a ajudaram a percorrer o seu caminho com
fidelidade.
Ingressou na Congregação de Santa Doroteia, em Espanha,
onde se deram as aparições de Tuy e Pontevedra, as aparições da Santíssima
Trindade, de Nossa Senhora e do Menino Jesus.
Desejando uma vida de maior recolhimento para responder à
mensagem que a Senhora lhe tinha confiado, entrou no Carmelo de Coimbra, em
1948, onde se entregou mais profundamente à oração e ao sacrifício. Aqui tomou
o nome de Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado.
Nossa Senhora veio buscá-la no dia 13 de Fevereiro de
2005 e o seu corpo repousa na Basílica de Fátima desde o dia 19 de Fevereiro de
2006.
Carmelo de Coimbra, in Lúcia
16 janeiro, 2014
21 Gramas
De: Alejandro González Iñárritu
Com: Sean Penn, Benicio Del Toro e Naomi Watts
Drama,
M/16, EUA, 2003, 124 min.
O filme conta-nos a história de três pessoas diferentes, de mundos distantes entre si, sem nada em comum, sem nada que as aproxime... aparentemente. Christina Peck (Naomi Watts), uma mãe de família que leva uma vida calma e tranquila com as suas duas filhas e o seu adorado marido; Jack Jordon (Benicio Del Toro), um ex-presidiário, que encontrou na sua fé a saída para um caminho melhor, junto da sua família; e Paul Rivers (Sean Penn), um professor de matemática que sofre de uma doença terminal e se vê num casamento destruído e sem amor. Mas este não seria um filme de Alejandro González Iñárritu se, por um terrível acaso, não existisse uma forma de aproximar estas três vidas. Se por um cruzamento, matematicamente improvável, não fosse possível unir estas três linhas num mesmo eixo de dor, perda e culpa.
A
morte dos "mais-que-tudo" de Christina (o seu marido e as suas
filhas); a carrinha de Jack que fez a curva depressa demais; e um coração, que
ainda bate, e que salva a vida de Paul. É este terrível acidente, um ínfimo
ponto de cruzamento num espaço e num tempo, que tornará mais próximas estas
três pessoas, e as distanciará para sempre da vida que tinham, de tudo o que
eram. Christina que se vê sem nada nem ninguém, num mundo não real, criado pela
sua dor, pelo seu alcoolismo e toxicodependência. A revolta de Jack contra
Deus, contra o seu Deus, que tanto o ajudou e agora o castiga. Revolta que não
encontra nem razão, nem perdão, e o afasta das suas antigas certezas e
refúgios. Uma nova vida para Paul, uma possibilidade de fuga da sua vida
anterior, que pensa já não ser sua. Uma oportunidade para refazer o que já era
feito, para voltar atrás e enganar o tempo. Tempo ele que não se engana.
Dizem
que todos perdemos 21 gramas no exacto momento da nossa morte.
Mas
quanto é 21 gramas? Quanto nos pesa? A uns pesará os estilhaços perdidos de uma
outra vida que já não existe; a outros pesará um mundo de culpa, que carregarão
às costas para o resto da vida; e a outros não pesa - alivia. Porque a perda
também traz com ela oportunidade. E da perda renascerá a esperança, e surgirá o
caminho, à espera de ser caminhado. E aos passos por dar neste caminho futuro,
chegará a liberdade para o percorrer, e a força para nos levantar e fazer
seguir, neste caminho em espera de ser vincado. E com estes passos nos
traçaremos, nos edificaremos. E com eles construiremos outros trilhos, outras
pontes, outros cursos, e outros caminhos... Até um próximo cruzamento.
"E
quando o que se tinha perdido foi queimado, os campos de milho voltaram a ser
verdes."
Concha
Pais de Carvalho, in http://www.essejota.net/index.php?a=vnrhrlqqvkuivvqluprhrsqhutrhqrqkqruiqjrurprnuprhrsqhulqtrqql
15 janeiro, 2014
Nova biografia da Ir. Lúcia
O
lançamento do novo livro com a Biografia completa da Irmã Lúcia, “Um Caminho
sob o olhar de Maria”, teve lugar no dia 5 de Outubro, no Memorial da Irmã
Lúcia, junto do Carmelo de Coimbra.
O
livro da autoria do Carmelo onde a Vidente de Fátima viveu por 57 anos
apresenta ao público, pela primeira vez, textos e imagens inéditos que vêm
completar a história de Fátima e a história da vida daquela que viu e falou com
Nossa Senhora.
A
apresentação foi feita pelo P. Dr. Luciano Cristino, contou ainda com a
presença do Bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, do Provincial da Ordem
Carmelita, P. Joaquim Teixeira, e do Vice Postulador da Causa de Beatificação
da Irmã Lúcia, Cónego Aníbal Castelhano.
Pode
ler o texto da apresentação aqui.
Foram
muitas as pessoas que quiseram estar presentes neste acontecimento e que
tiveram a alegria de poder adquirir os primeiros exemplares da obra que está já
à venda nas livrarias.
CONVENTO DE CARMELITAS PASSA A CAMPO DE REFUGIADOS
O convento dos Carmelitas Descalços de Bangui, na
Republica Centro-Africana, converteu-se num improvisado campo de refugiados. A
violência e instabilidade que se vive neste país fez com que os carmelitas
daquele convento o abrissem para acolher as vítimas da perseguição e da guerra.
Actualmente há mais de 2000 pessoas refugiadas nesta casa dos carmelitas que
foram chegando dos diferentes bairros da cidade. A maioria são crianças que
buscam neste lugar um seguro refúgio.
Os números foram aumentando de dia para dia. O mau tempo que se faz sentir por estes dias também não ajuda nada. Os nossos irmãos, como nos testemunha o superior do convento, Pe Frederico, receberam-nos de braços abertos e acomodaram-nos o melhor possível, tentando satisfazer as suas necessidades mais básicas, com a segurança e estabilidade possível. A alimentação e a higiene das crianças são a primeira prioridade. Vamos tentar ajudar esta comunidade para que continue a dar este bom testemunho, colocando-se incondicionalmente juntos dos pobres e mais débeis. Os carmelitas portugueses através da conta das Missões Carmelitas já deram o seu contributo para que não lhes falte o mínimo indispensável.
Os números foram aumentando de dia para dia. O mau tempo que se faz sentir por estes dias também não ajuda nada. Os nossos irmãos, como nos testemunha o superior do convento, Pe Frederico, receberam-nos de braços abertos e acomodaram-nos o melhor possível, tentando satisfazer as suas necessidades mais básicas, com a segurança e estabilidade possível. A alimentação e a higiene das crianças são a primeira prioridade. Vamos tentar ajudar esta comunidade para que continue a dar este bom testemunho, colocando-se incondicionalmente juntos dos pobres e mais débeis. Os carmelitas portugueses através da conta das Missões Carmelitas já deram o seu contributo para que não lhes falte o mínimo indispensável.
11 janeiro, 2014
FESTA DO BAPTISMO DO SENHOR
1. Passado o Advento e as Festas
Natalícias, estamos agora no umbral do chamado «Tempo Comum» do Ano Litúrgico
que, ao contrário do que se possa pensar, não é um «Tempo secundário», mas
fundamental na vida celebrativa da Igreja Una e Santa. Na verdade, ao longo
deste «Tempo Comum», Domingo após Domingo, a Igreja Una e Santa, Baptizada e
Confirmada, Esposa Amada de Cristo, é chamada a contemplar de perto, episódio
após episódio, toda a vida histórica do seu Senhor, desde o Baptismo no Jordão
até à Cruz e à Glória da Ressurreição.
2. Esta apresentação só é
possível porque, em cada um dos Anos Litúrgicos, é proclamado, Domingo após
Domingo, praticamente em lição contínua, um Evangelho inteiro. Neste Ano A,
é-nos dada a graça de ouvir o Evangelho segundo Mateus, conhecido como «o Evangelho
da Igreja», dada a grande importância que este Evangelho granjeou na Igreja
primitiva, sobretudo devido à clareza e riqueza temáticas dos longos, solenes e
pausados Discursos de Jesus que nele encontramos, e que constituem um imenso
tesouro para a vida da Igreja. Na verdade, o leitor ou ouvinte encontra no
Evangelho segundo Mateus uma longa e bela sinfonia dos ensinamentos
fundamentais de Jesus, organizada em cinco andamentos à volta de cinco imensos
Discursos de Jesus: 1) o Discurso programático da MONTANHA (Mateus 5-7); 2) o
Discurso MISSIONÁRIO (Mateus 10); 3) o Discurso das PARÁBOLAS do REINO (Mateus
13); 4) o Discurso ECLESIAL (Mateus 18); 5) o Discurso ESCATOLÓGICO (Mateus
24-25). Os cinco Discursos são fáceis de identificar, pois, a terminar cada um,
encontra-se sempre o mesmo refrão: «E aconteceu, quando Jesus terminou estas
palavras…» (7,28; 11,1; 13,53; 19,1; 26,1).
3. O Primeiro Domingo
do «Tempo Comum» coloca então diante de nós o episódio do Baptismo de Jesus no
Jordão, conforme o Evangelho segundo Mateus 3,13-17. Aqui ficam algumas notas
características deste episódio de Mateus: 1) quando vê Jesus que vem no meio da
multidão (Mateus 3,13-14), como verdadeiro Servo do Senhor, solidário com o seu
povo e assumindo as suas faltas, João Baptista fica confuso; na verdade,
esperava um Juiz acima do povo, para julgar o povo (Mateus 3,7.10.12), e não um
Servo solidário com o povo no pecado (por isso, vem, no meio do povo, a este
baptismo de penitência); 2) além disso, e contra todas as expectativas de João,
Jesus não vem para baptizar, mas para ser baptizado (Mateus 3,11.13-14); 3) O
diálogo travado entre João Baptista e Jesus (Mateus 3,14-15) é exclusivo de
Mateus (nenhum outro Evangelho o descreve); 4) são de notar as primeiras
palavras, em absoluto, ditas por Jesus no Evangelho segundo Mateus: «É
conveniente para nós cumprir toda a justiça» (3,15); neste Evangelho, o termo
«justiça» indica o plano divino de salvação e a adequação da nossa vontade [=
obediência] a esse plano, e faz-se ouvir por sete vezes (3,15; 5,6.10.20;
6,1.33; 21,32) contra uma única vez em Lucas (1,75) e nenhuma em Marcos, e o
verbo «cumprir» aponta para a Escritura; 5) a abertura dos céus e a descida do
Espírito evoca e cumpre Isaías 63,19; 6) a voz vinda do céu também deve merecer
a atenção do ouvinte e/ou do leitor, porque, ao contrário do que acontece nos
outros Evangelhos sinópticos, a proclamação não aparece formulada na segunda
pessoa (Marcos 1,11: «Tu és o meu Filho, o Amado, em ti pus
o meu enlevo»; Lucas 3,22: «Tu és o meu Filho, o Amado, em
ti pus o meu enlevo»), mas na terceira: «Este é o meu
Filho, o Amado, em quem pus o meu enlevo» (Mateus 3,17); não
é, portanto, uma revelação dirigida a Jesus, mas a nós, salientando desde o
princípio a perspectiva eclesial de Mateus.
4. Diante dos olhos atónitos
de João, e também dos nossos, fica, portanto, Jesus que, connosco e no meio de
nós, como um de nós, desce ao rio Jordão para ser connosco baptizado.
Extraordinária a epígrafe que Pedro, na lição do Livro dos Actos dos Apóstolos,
põe sobre a vida de Jesus: «Passou fazendo o bem e curando todos» (Actos
10,38). Para nos curar, é preciso passar pelo meio de nós. O Jordão é o rio de
Cristo e dos cristãos. Rasga, de alto-a-baixo, a terra de Israel, mas atravessa
também as páginas dos dois Testamentos! Desce do sopé do Hermon e vai desaguar
no Mar Morto, fazendo um percurso sinuoso de mais de 300 km (104 km em linha
recta), e o seu nome ouve-se por 179 vezes nas páginas do Antigo Testamento e
15 vezes no Novo Testamento. As suas águas curam (2 Reis 5,14: Naamã) e dão
acesso à vida nova: é atravessando-o que o Povo entra na Terra Prometida (Josué
3,14-4,24). É ainda belo ver que, depois de um percurso de mais de 300 km, o
Jordão entra no Mar Morto, onde, através de uma intensa evaporação, parece
subir ao céu, lembrando Elias que sobe ao céu desde o leito do Jordão (2 Reis
2,8-11). É lembrando estes cenários, sobretudo o do Baptismo que também cura e
dá acesso à vida nova, que muitas Igrejas Orientais chamam «Jordão» ao canal
que conduz a água para a fonte baptismal, que todos os anos é benzida
precisamente neste Dia da Festa do Baptismo do Senhor.
5. Ilustra bem o episódio do
Baptismo de Jesus no Jordão o chamado «Primeiro Canto do Servo do Senhor»
(Isaías 42,1-7), que põe em cena Deus e o seu Servo. Deus chama este Servo «meu
Servo», diz que o segura e sustenta e que lhe dá o seu Espírito, e confia-lhe
uma missão em ordem à verdade e à justiça, à mansidão e ao ensino, à libertação
e à iluminação, entenda-se, à vida em plenitude, de todas as nações.
Verdadeiramente, Deus é a vida deste Servo, que Ele ampara, leva pela mão e
modela. Linguagem de criação, confidência e providência.
6. Há ainda a registrar uma
expressão forte para dizer a missão de mansidão confiada por Deus a este seu Servo:
«Não fará ouvir desde fora a sua voz». Ora, se não faz ouvir a sua voz desde
fora, então é porque a faz ouvir desde dentro. O grande pensador do século XX,
de origem hebraica, Emmanuel Levinas, glosava, nas suas lições talmúdicas, este
texto em sentido messiânico, dizendo que «o Messias é o único Rei que não reina
desde fora». Se não reina desde fora, então não reina com poder, dinheiro,
impostos, armas ou decretos. Se não reina desde fora, reina desde dentro,
aproximando-se das pessoas, descendo ao nível das pessoas, amando as pessoas.
Está bom de ver que Jesus vai assumir a identidade deste Servo e vai cumprir
por inteiro a sua missão. De resto, Mateus diz-nos expressamente que Jesus vem
cumprir a missão do Servo de Isaías 42,1-4, texto que este Evangelho cita por
inteiro em Mateus 12,18-21.
7. Para não esquecer: esta
bela missão de Jesus, Baptizado com o Espírito no Jordão e declarado Filho
Amado, deve ser a nossa bela missão de Baptizados com o Espírito Santo e filhos
amados de Deus.
António Couto, in Mesa de Palvras
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